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Festejando Cristo: quando a liturgia do ordinário e do extraordinário se encontram

Escrito por Joyce Medeiros de Melo, estudante do Programa de Tutoria – Turma Essencial 2021

“Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e logo depois se dissipa” (Tg 4:14 NVI). Tiago foi implacável, tal como Salomão, Isaías e o próprio Jesus ao falar sobre a humanidade em seu frenesi pelo tempo. Somos assim, a maioria: cercados de afazeres e cheios de demandas. A obra de Tish Warren acerca da liturgia do ordinário nos oferece uma perspectiva distinta sobre nossa agenda em sintonia com o calendário divino, nos fazendo ver como Deus deseja santificar seu povo por meio de dias comuns. Aliados à contribuição de Geerhardus Vos em Teologia bíblica, procuraremos mostrar como a revelação do Cristo faz a ponte entre o comum e o extraordinário na vida humana, reiterando a importância de sermos capacitados por Ele a viver de acordo com esta realidade.

VEJAM, ELE É O CRISTO

O Novo Testamento é inaugurado a partir da vinda do Cristo, o Messias que os profetas haviam anunciado como o Salvador de Israel. Sua chegada dá o pontapé a uma nova administração do pacto da graça, já presente no Antigo Testamento (VOS, 2010): Ele é a plenitude da revelação divina.

Jesus é o cumpridor da promessa que os servos de Deus aguardavam, Ele é o Logos divino, a Palavra de Deus encarnada. Foi pela fé neste Logos que a salvação pôde ser ministrada, foi pela fé na Verdade de Deus (Jo 14:6) que os patriarcas puderam caminhar confiantes aguardando a promessa que não viram em vida (Hb. 11), mas que se fazia presente agora com Jesus de Nazaré.

Ele é o Messias que veio, não em decorrência da obediência do povo, mas justamente porque o povo não conseguia cumprir a Lei. Ele veio e cumpriu em si mesmo, na vida e na morte, todo o necessário para que a justiça de Deus fosse completa, sendo testemunho vivo da vontade do Pai.

Junto com isso, Jesus é também o filho do carpinteiro, é um homem hebreu que anda entre os seus. Ele come, bebe, dorme, conversa com as mais variadas pessoas, expõe grandiosas verdades espirituais entre os eruditos. Ele se veste como um homem de sua cultura e aceita convites de casamento ao mesmo tempo que cura pessoas e multiplica pães. Ele transmite o evangelho com histórias acessíveis ao povo, mas que são de um tesouro muito superior à sabedoria humana. Ele vive o dia a dia do hebreu como Deus.

Como isso é possível? Como um ser religioso, o homem facilmente divide sua vida, rotina, ambientes e tempo de acordo com uma noção de sacralidade e secularidade, estabelecendo limites rígidos de comportamento, vestimenta e linguagem entre uma esfera e outra (ELIADE, 1992). Ainda que haja uma influência mútua entre essas esferas, poucas vezes há um trânsito livre entre elementos distantes entre si. O que é santo não se mistura àquilo que é impuro e tudo que é do dia a dia não merece estar em uma posição de honra – se tornou algo comum, visto ou experimentado na rotina.

Ao comentar o episódio da tentação de Cristo, Geerhardus Vos (2010) mostra como a natureza divina e humana de Jesus se mostram na ocasião: Ele, sendo Deus, rejeita fortemente a realidade do pecado. Como Deus, Jesus tem todo o poder de fazer muito mais do que o diabo oferecia como barganha aos desejos. Mas a prova também envolvia sua natureza humana: Deus Filho se submete de livre vontade às limitações da humanidade e por essa submissão, cumpre o que havia sido determinado pelo Pai.

O Santo de Israel esteve entre nós: puro, sem pecado ou mácula, vivendo nossos dias de vinte e quatro horas, quando desde a eternidade ele era.

SEDE SANTOS PORQUE EU SOU SANTO

A palavra liturgia indica um rito religioso específico, inserido num contexto de crença. Dizer liturgia, para alguns, significa um estilo de culto marcado pelos excessos simbólicos associados ao catolicismo pré reforma protestante; para outros, uma cerimônia rígida ditada pela tradição. Para além dessas ideias recorrentes, apresentar a beleza da liturgia no cristianismo é admitir que o ser humano é um ser cerimonial, religioso, e que expressa sua sede de adoração nos ordenamentos mais rotineiros possíveis.

Para Tish Warren, abraçar a liturgia no contexto diário significa admitir submissão e culto a Deus, ao que ela expõe:

Eu preciso da igreja para me lembrar da realidade: o tempo não é uma mercadoria que eu controlo, administro ou consumo. A prática do tempo litúrgico me ensina, dia a dia, que o tempo não é meu. Ele não gira ao redor de mim. O tempo gira ao redor de Deus — o que ele fez, o que está fazendo e o que vai fazer. (WARREN ibid BELMONTE, 2017)

Na prática, viver santificando os dias significa perceber que Deus leva em consideração a brevidade da vida humana e que podemos depositar nossos afazeres diários em Suas mãos. Fala sobre enxergar o que temos em mãos a partir do que Ele nos tem dado na sua Revelação – ver como o passado, o presente e o futuro comunicam sua bondade e quem ele é. 

Na liturgia observamos na Palavra elementos do caráter de Deus, assim como podemos perceber indícios de nossa própria identidade: quando o dia a dia é frustrante ou traz afirmativas mentirosas sobre quem é o ser humano, a adoração inclina o coração a ouvir o que o Pai fala sobre seus filhos.

Seja em oração e meditação nas Escrituras, seja em louvor a Deus ou com o espírito atento ao que Ele deseja ensinar, somos capacitados pelo Espírito a viver dias santificados, porque Cristo já o fez. Indo ao trabalho, resolvendo situações inesperadas, cuidando da casa, da família doente ou do carro que precisa de manutenção, somos chamados a usufruir do calendário divino, inseridos por graça na história dele.

São dias de neblina, são tempos passageiros, mas também são sopros de eternidade – e que sejam todos eles vividos à luz de Cristo na presença do Pai.


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BIBLIOGRAFIA

BELMONTE, Vanessa. A liturgia do ordinário. Medium: 2017. Disponível em: https://lecionario.com/a-liturgia-do-ordin%C3%A1rio-d816ab8cafb. Visitado: 29 de março de 2021.

ELIADE, Mircea. Sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: antigo e novo testamentos. Trad. Alberto Almeida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

WARREN, Tish. Liturgia do ordinário: práticas sagradas na vida cotidiana. Trad. Guilherme Cordeiro Pires. São Paulo: Thomas Nelson, 2021.