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James I. Packer: glorificando a Cristo em todos os sentidos

Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede; perguntai pelas veredas antigas e pelo bom caminho. Andai por ele e achareis descanso para as vossas almas. Eles, porém, disseram: Não andaremos nele.

Jr 6:16

Quando perguntado, no final da vida, quais seriam suas últimas palavras para a igreja, Packer respondeu: “Acho que posso reduzi-lo a quatro palavras: glorifique a Cristo em todos os sentidos”. Isso pode servir como um epitáfio do que Packer fez em sua vida e do que está fazendo agora.

Leland Ryken

A oração de Ana, mãe do profeta Samuel, está entre as passagens mais marcantes das Escrituras, especialmente este trecho: “O Senhor é o que tira  vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir. O Senhor empobrece e enriquece; abate e também exalta. Levanta o pobre do pó, e do monte de cinzas ergue o necessitado, para fazer herdar um trono de glória. Pois do Senhor são as colunas da terra; assentou sobre elas o mundo. Ele guarda os pés dos seus santos, mas os ímpios emudecem nas trevas” (1Sm 2:6-9). O Senhor acabara de lhe conceder o seu tão esperado filho. Samuel, assim como Agostinho, foi um “filho de muitas lágrimas”.

As palavras da oração de Ana, de certo modo, descrevem o quadro geral da soberania de Deus e sua relação com a vida do homem. O Senhor é o autor da vida, mas também é quem a tira. Como disse Salomão, “tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Ec 3:1). Aquele que guarda os pés dos seus santos tem na palma da mão todos os seus dias ordenados “quando nenhum deles havia ainda” (Sl 139:16). No último dia 17 de julho, aos 93 anos de idade, o teólogo anglicano James Innell Packer teve o último dos seus dias contatos neste mundo. Talvez o leitor nunca tenha ouvido falar dele. Seu falecimento não causou comoção no Twitter; não esteve entre os assuntos mais comentados pelos webcrentes, sempre atentos à última novidade. Mas o fato é que ele deixou um imenso legado à igreja do Senhor.

Aos seus alunos, ele dizia que “a teologia é doxologia e devoção — isto é, louvor a Deus e prática da piedade. Ela deve, pois, ser apresentada de forma que desperte a consciência da presença divina. A teologia alcança o auge da salubridade quando está conscientemente sob o olhar de Deus, sobre quem ela fala, e quando está cantando a sua glória (PACKER, 2014). Packer foi um dos maiores expoentes da fé evangélica em sua geração. Nesse sentido, guardadas as devidas proporções e respectivos contextos, não seria um erro dizer que ele foi como um profeta Jeremias do seu tempo. Na contramão de uma cultura evangélica superficial e distante do “alimento sólido” da sã doutrina, Packer defendeu o retorno às “veredas antigas” e os “princípios elementares dos ensinamentos de Deus” (Jr 6:16; Hb 5:12).

Da sua pena saíram inúmeras obras e grandes clássicos da literatura cristã, como O conhecimento de Deus, Na dinâmica do Espírito, Entre os gigantes de Deus, Teologia Concisa e A redescoberta da santidade, escritos cuja marca característica sempre foi a demonstração de uma mente piedosa e um coração comprometido com o Senhor. Nascido no interior da Inglaterra, J. I. Packer, como assim ficou conhecido, veio de uma família humilde, de classe média baixa (RYKEN, 2020). Sua conversão ocorreu após seu ingresso na Universidade de Oxford, aos 18 anos de idade. O que poucos leitores sabem é a profunda influência que C. S. Lewis exerceu sobre seu pensamento neste tempo e que ele levaria para a vida toda. Leland Ryken, em um artigo recente, relatou um pouco da sua grande jornada:

Packer teve uma vida profissional variada. Ele passou a primeira metade de sua carreira na Inglaterra antes de se mudar para o Canadá na segunda metade. Na Inglaterra, Packer ocupou vários cargos de professor nas faculdades teológicas de Bristol, durante as quais teve um interlúdio de uma década como diretor da Latimer House, em Oxford, um centro de intercâmbio de interesses evangélicos na Igreja da Inglaterra. Nesse papel, Packer foi um dos três líderes evangélicos mais influentes da Inglaterra (junto com John Stott e Martyn Lloyd-Jones). A mudança de Packer para o Regent College, em Vancouver, em 1979, chocou o mundo evangélico, mas ampliou a influência de Packer pelo resto de sua vida (RYKEN, 2020).

Packer foi também um grande defensor da inerrância das Escrituras, quando essa importante doutrina não era levada tão a sério. Movido por seu amor ao evangelho, de sua pena saiu uma das contribuições mais significativas para a igreja evangélica (RYKEN, 2020), além de ter sido um dos mais preocupados do seu tempo com a doutrina da santidade prática. Em A redescoberta da santidade ele expressou o sentimento de que “o ensino histórico da santidade tem sido largamente esquecido”, mesmo sendo algo tão fundamental à vida cristã, “central para a glória de Deus e o benefício das nossas almas” (PACKER, 2002). Nos tornamos anões espirituais. Com o passar dos anos a impressão é de que perdemos o “caminho pelo meio do bosque”, uma menção ao poema de Rudyard Kipling, de mesmo nome. Estamos preocupados demais com a relevância pública, mas em detrimento de um caminhar íntimo e diário com Deus, quando ambas as “esferas” (como diria Abraham Kuyper), a devoção diária e a exegese cultural, jamais deveriam estar separadas do senhorio de Cristo:

[…] é preciso dar um basta quanto ao descaso com a questão da santidade pessoal. Mesmo entre os cristãos do Ocidente que continuam crendo na Bíblia, a tendência em tratar este assunto como algo secundário pode ser facilmente observada. Tal tendência não é algo que se deveria esperar, já que as Escrituras insistem que somos chamados para sermos santos, que Deus tem prazer na nossa santidade, mas abomina o nosso pecado, e que, sem santidade, ninguém verá o Senhor. No entanto, o foco do interesse cristão tem mudado, de uma busca por santidade, para o prazer, a realização pessoal, o massageamento do ego e técnicas para o alcance do sucesso, e assuntos públicos que não representam nenhum desafio para os padrões morais de um indivíduo. Tal mudança é triste e escandalosa, e precisa ser revertida (PACKER, 2002).

As Escrituras e sua importância na vida cristã, a relação fundamental entre erudição e piedade, o zelo pela sã doutrina, a verdadeira espiritualidade e o combate à falsa dicotomia entre sagrado e secular foram algumas das preocupações que sempre estiveram presentes na vida e obra de James I. Packer. São inúmeras as lições que este piedoso anglicano legou à igreja do Senhor. Ryken relata que “quando perguntado, no final da vida, quais seriam suas últimas palavras para a igreja, Packer respondeu: “Acho que posso reduzi-lo a quatro palavras: glorifique a Cristo em todos os sentidos”. Isso pode servir como um epitáfio do que Packer fez em sua vida e do que está fazendo agora” (RYKEN, 2020).

De tudo que podemos aprender com a sua vida e obra, tenhamos sempre em mente essas quatro palavras, como o ponteiro de uma bússola a nos guiar como peregrinos em direção à Cidade Celestial. Glorifiquemos a Cristo em todos os sentidos.


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REFERÊNCIAS

PACKER, James I. A redescoberta da santidade: o caminho para a alegria e liberdade, agora e no futuro. Trad. Elias Dantas Filho. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

__________ Teologia concisa: um guia de estudo das doutrinas cristãs históricas. Trad. Rubens Castilho. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.

RYKEN, Leland. O conhecimento de J. I. Packer: um obituário espiritual. Projeto Castelo Forte. Disponível em < http://projetocasteloforte.com.br/o-conhecimento-de-j-i-packer-um-obituario-espiritual-leland-ryken/ >. Acesso em 19 de julho de 2020.