EDWARDS, Jonathan. Jonathan Edwards, uma antologia: escritos públicos e pessoais. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. 1. ed. São Paulo, SP. Editora Vida Nova. 2022. 384 p.
Resenha escrita por Filipe Dias de Souza, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023
A presente antologia de Jonathan Edwards é uma compilação dos escritos mais representativos e influentes da sua vida. Edwards foi um escritor prolífico. Ensinado desde muito jovem a escrever o que aprendia e pensava, ele levou essa prática para toda a sua vida. O resultado foi uma obra extensa e abrangente cronológica e tematicamente, que se inicia em sua adolescência na Universidade de Yale e vai até muito próximo de sua morte. Compreende não apenas escritos para publicação, mas também sermões, cartas, diários e outras anotações pessoais, que abordam desde assuntos cotidianos de sua vida a densos debates filosóficos e teológicos. A produção escrita de Edwards é tão extensa que sequer foi publicada ou mesmo transcrita em sua integralidade. A presente antologia é uma tentativa de apresentar de forma panorâmica, em um único volume, a multifacetada obra de Edwards. Os pesquisadores de Yale, John Smith, Harry Stout e Kenneth Minkema foram os responsáveis pela seleção e compilação da obra, podendo ser dividida em 5 partes: (i) escritos da juventude de Edwards, (ii) sermões, (iii) obras para publicação, (iv) escritos pessoais e (v) cartas.
Na primeira parte da obra, observamos o jovem Edwards em período de transição. Ainda como estudante de Yale, ele parece ter um grande interesse em temas filosóficos e científicos. Seus primeiros escritos incluem um ensaio sobre a mente, uma descrição detalhada das aranhas e uma análise sobre estética. Suas investigações são feitas a partir de parâmetros confessionais puritanos, mas carregadas de linguagem e categorias filosóficas. Nesse mesmo período, já o vemos também tratando de temas teológicos, como em suas Notas sobre o Apocalipse, de 1723. Nesse escrito, Edwards apresenta uma interpretação bastante cartesiana da profecia de Apocalipse 16, associando elementos do texto bíblico a fatos e instituições históricas. A interpretação certamente soa estranha aos cristãos modernos, mas parece se encaixar na constante conexão que Edwards fazia entre elementos da natureza e da história e as verdades espirituais, reveladas na Bíblia.
Em seguida, temos três sermões que Edwards pregou à sua congregação em Northampton, dentre os quais está o mais famoso deles, Pecadores nas mãos de um Deus irado. Embora possa parecer um terror psicológico exagerado e descabido, uma tentativa de conquistar as pessoas pelo medo, Edwards, na verdade, retrata uma imagem bastante vivida do inferno, do sofrimento eterno, de nosso total merecimento dessa punição e incapacidade de nos livramos dela, a não ser pela misericórdia divina. Essa noção deve ser contrabalanceada com outros sermões, como Uma história da obra da redenção, no qual Edwards busca consolar a igreja de seus sofrimentos terrenos, trazendo à lembrança a obra redentora de Deus e sua fidelidade. Devemos ter em mente que Edwards pregou por mais de 20 anos na mesma congregação, preparando centenas de sermões, sendo que cada um tem seu contexto próprio e representa apenas uma pequena fração de seu trabalho.
Logo após, temos o segmento mais longo da antologia que contém alguns trechos de escritos para publicação, incluindo as Afeições religiosas e três obras de Edwards produzidas após sua demissão da congregação de Northampton e ida para a missão de Stockbridge entre os indígenas moicanos. Em Afeições religiosas, Edwards analisa quais são as características de uma verdadeira conversão à luz de suas experiências com os avivamentos ocorridos na sua época. Nesse período, muitas pessoas se converteram, manifestaram emoções intensas e grande envolvimento com a comunidade, mas, após algum tempo, regrediram ao seu estado anterior. Edwards quis fornecer um embasamento para que as pessoas fizessem constantemente um autoexame da sua condição espiritual.
Por outro lado, as três obras do final de sua vida têm um tom mais filosófico e visam combater uma espécie de deísmo que se estabelecia nos círculos religiosos. São obras com uma certa conexão temática. Liberdade da vontade é uma resposta aos arminianos que defendiam uma vontade livre como necessária à responsabilidade humana. Edwards defende que a liberdade está sujeita à vontade e que a vontade, por sua vez, é determinada pelas nossas inclinações. Isso não seria incompatível com a responsabilidade humana e o próprio senso comum é prova disso. Essa obra está, de certa forma, conectada com Pecado original, publicada quatro anos depois. Muitos consideravam que o homem não era de natureza corrompida e negavam que o primeiro pecado de Adão tivesse gerado uma corrupção da sua posteridade. Edwards defende a coerência do pecado original em termos bíblicos e empíricos. Para ele, nossa inclinação é naturalmente para o mal e isso pode ser observado pela universalidade do pecado.
Por fim, em A natureza da verdadeira virtude, Edwards estabelece um conceito de virtude a partir da ideia de beleza e de amor ao Ser Geral. Nossa benevolência aos outros só é verdadeira virtude se vier de um alinhamento ao Ser Geral. Se for contrária ao Ser Geral, constitui uma falsa virtude. Esse tema já havia sido explorado em Liberdade da vontade, em que Edwards afirma que a virtude só é possível a partir de uma inclinação para o bem, que, por sua vez, só acontece quando o Espírito Santo nos liberta da nossa natureza corrompida. A conclusão natural dessas ideias (não declarada explicitamente por Edwards) parece ser de que a verdadeira virtude só seria possível a partir da conversão. Isso parece ir contra o senso comum, tão invocado pelo próprio Edwards. Seria interessante vê-lo conciliar essas ideias.
As últimas seções da obra contêm cartas e trechos do diário de Edwards. As dimensões introspectivas e seculares da sua vida ganham contorno. Por um lado, observamos seus constantes autoexames, seu encantamento com o mundo a partir de sua conversão e sua preocupação com a santificação e com os estudos. Por outro lado, vemos seus cuidados com a saúde de sua esposa e filhos, suas preocupações com relação a seu salário e a provisão da casa, suas interações para a aquisição de novos livros de estudo. A seção traz, inclusive, o infame recibo da escrava Vênus, como um lembrete da nossa condição limitada. A teologia de Edwards tinha toda a condição de apontar seu erro, mas esse parece ter sido um ponto cego até o fim da sua vida.
Em resumo, a obra Jonathan Edwards, uma antologia é excelente porta de entrada para quem está começando a estudar a vida e obra do teólogo do avivamento. O livro oferece um acesso tanto às suas principais ideias quanto à sua biografia. Funciona também como uma coleção de resumos de obras mais extensas, recortadas pelos editores na presente antologia, sem perder sua coerência e profundidade.