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Música e espiritualidade: Entrevista com Brett McCracken

Escrito por Bruno Maroni, professor convidado do Loop


Durante a preparação para o curso “Você é Aquilo Que Ouve: Uma Jornada de Música e Espiritualidade” tive a alegria de conversar com Brett McCracken, editor senior do portal The Gospel Coalition, responsável também pela coluna de arte e cultura. Brett tem estudado e publicado a respeito do tema há anos, e mais que isso, envolve-se diariamente com produções culturais de diferentes linguagens, em especial, a música. Dono de ótimas playlists e curadorias minuciosas, ele me ajudou a refletir sobre a relevância da música pop para a teologia, o significado bíblico da música e as virtudes que ela pode moldar em nós. Aqui você encontra o registro completo dessa conversa!


Pode parecer que teólogas e teólogos tem muito mais pra se preocupar do que com as coisas da vida comum, da cultura e da arte. Principalmente da arte que toca nas rádios e streamings mundo a fora. Só que… repensando, será que a teologia não precisa mesmo da música popular?

Eu diria que a principal razão pela qual os teólogos deveriam ouvir e apreciar música popular é a mesma razão pela qual qualquer pessoa deveria: é agradável! Os teólogos não precisam inventar uma justificativa para dedicar tempo à arte e à beleza. Simplesmente apreciá-la como um dom da graça comum de Deus, como uma beleza que testemunha a Beleza última, é suficiente! “A arte não precisa de justificativa”, escreveu Hans Rookmaaker. E eu concordo. Então essa é a primeira coisa que eu diria.

Devemos apreciar o que é bom, verdadeiro e belo na cultura pop (seja música ou qualquer outro gênero de cultura), simplesmente porque a atividade de apreciar tais coisas é uma maneira de glorificar a Deus. A outra coisa que eu diria que é um pouco mais prática é que a música pop tem muito poder explicativo. Quando prestamos atenção às mensagens, estados de espírito e tendências na cultura pop, podemos aprender coisas sobre a cultura que estamos tentando alcançar com o evangelho.

A cultura popular de todos os tipos tem esse tipo de poder de ensino. Isso nos ajuda a entender melhor os anseios espirituais, as dores e as alegrias que estão em ação em nossa era secular. Sabendo disso, podemos evangelizar e discipular melhor as pessoas que estão sendo formadas nessa cultura.

Para muita gente, a música tem peso religioso: é como uma experiência espiritual que toca no mais fundo da alma e nos leva para além — mesmo que não saibamos ao certo que além é esse. A questão é, o Deus da Bíblia fala através da música?

Eu acredito que Deus se revela primariamente a nós na Escritura (revelação especial) e por meio de sua criação (revelação geral). Na medida em que os humanos fazem parte dessa criação — feitos à imagem de Deus — as atividades criativas da humanidade definitivamente refletem coisas sobre Deus. Pela graça comum, as criações humanas (livros, pinturas, filmes, música, etc.) podem colocar uma lupa em algum aspecto da criação de Deus ou alguma verdade que Ele revela sobre si mesmo na Escritura. E dessa forma, eu talvez diria que a música não revela coisas sobre Deus tanto quanto destaca, realça ou se engaja com o que Deus já revelou.

Às vezes eu digo que a arte criada pelo homem é, essencialmente, sempre um remix da criação original de Deus. Deus é o Artista original, e tudo o que existe traça sua origem a Ele. Sendo imbuido da capacidade de criar, nós (portadores da imagem de Deus) podemos pegar os materiais brutos da criação de Deus e fazer coisas novas com eles.

Quando um ser humano canta, a beleza da música que sai de sua boca não é inteiramente original a ele: afinal de contas, Deus inventou e criou nossa garganta e nossas cordas vocais! O instrumento é sua criação. Mas a combinação particular de palavras/letras, tons, harmonias e timbrrs são nossos para experimentar, como um ato de criação artística. Que presente que Deus nos dá essa habilidade criativa! Então, de certa forma, apenas o nosso uso desse dom revela algo profundo sobre Deus e sua generosidade extravagante.

Que tipo de Deus nos daria corpos que podem fazer música dessa forma? Que tipo de Deus nos conectaria de tal forma que, universalmente, ressoamos com vozes humanas cantando juntas em harmonia? A própria existência da beleza – seja a beleza aural na música ou a beleza visual em outras formas — testemunha um Deus amoroso e gracioso.

Pensar sobre o que a música é não é o melhor caminho para entendê-la e apreciá-la. Diferente de refletir a respeito do que ela faz conosco, que tipo de pessoa podemos nos tornar quando somos expostos à arte da música. Brett McCracken sugeriu três virtudes que a música pode desenvolver na gente.

A música ajuda a desenvolver a paciência. Ela nos desacelera. Para ouvir bem a música, precisamos ser pacientes, ficar parados, deixar a música acontecer conosco antes de tentarmos “usá-la” ou “entendê-la”. E em um mundo rápido e pragmático, precisamos crescer em paciência!

Relacionado a isso, acho que a virtude da humildade pode ser fortalecida ao ouvir música. A música é inspiradora! Ouça uma sinfonia cacofônica ou um hino pós-rock potente, e a escala e o mistério do universo são revelados. A música, em toda a sua grandiosidade, pode nos corrigir e nos lembrar do que não sabemos, ao mesmo tempo em que fala conosco intimamente em uma linguagem que parece familiar. Finalmente, a música cultiva em nós o amor. Há uma razão pela qual os salmos bíblicos eram cantados. Há uma razão pela qual o canto congregacional tem sido central para o culto cristão há 2.000 anos.

Dizer palavras que são verdadeiras é diferente de cantar essas mesmas palavras. O último envolve o coração e o amor mais do que apenas a cabeça. Quando cantamos, estamos expressando algum amor. Hinos cristãos e canções de adoração tornam isso explícito. Mas eu argumentaria que sempre que você está cantando em voz alta qualquer música em seu carro enquanto dirige, ou em um concerto, é porque ao cantar você está expressando algum amor. É por isso que a música é tão poderosa como uma “religião substituta” para muitas pessoas em nossa era secular.

Estar em um concerto e cantar letras ao lado de uma multidão enorme de outros fãs parece uma experiência religiosa secular… porque é! O grupo cantante está coletivamente expressando algum amor, alguma adoração por um sentimento ou ideia ou “Deus substituto” de algum tipo… quer eles coloquem isso em termos ou não.