Escrito por Annie Adelinne Bezerra Silva Mucelini, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2021
Introdução
Música, louvor, adoração e culto são palavras usadas frequentemente no mesmo contexto, muitas vezes de modo intercambiável, apesar da diferença semântica. Os músicos na igreja são chamados de “equipe de louvor” e uma sequência de músicas no culto é precedida por um chamado à adoração.
As críticas a essa indistinção são razoáveis e fundamentadas: o louvor, a adoração e o culto não podem e nem devem ficar circunscritos à atividade musical. A música, enquanto expressão de louvor, adoração e elemento do culto, não se confunde com estes. Tampouco pode ser desprezada como entretenimento dispensável, nem tratada de forma leviana na liturgia do culto. Afinal, por que cantamos?
Por que cantamos?
A ideia de que a cultura, circunscrita à arte, à estética e à erudição, seria um “adorno da vida” e nunca uma necessidade, tem sido abraçada pelo cristianismo. No entanto, na definição de Rookmaaker, “a cultura é simplesmente a criação de instituições, costumes, formas de vida, bem como nosso uso da natureza e seus recursos”1. Neste sentido, a cultura não pode ser desprezada como supérflua ou pouco espiritual, mas considerada em toda a nossa adoração.
Se fomos criados para produzir cultura, fomos criados para cantar. A neurociência associa a atividade musical ao aumento da atividade cerebral e fortalecimento de conexões neuronais, especialmente do corpo caloso, que conecta os hemisférios cerebrais2.
Como veículo de tradição oral, a música garante a transmissão da mensagem com maior precisão e longevidade, associando ao texto os ritmos e sons musicais3. Diversos textos bíblicos apontam para o uso da música como tradição oral: para lembrar de eventos importantes (Êxodo 15:1), para homenagear pessoas (2 Crônicas 35:25), para instruir as crianças (Salmo 89:1). Spurgeon4 observa como os salmos eram utilizados para transmitir mensagens sobre a história do povo e sobre a aliança divina. Nos próprios salmos se lê que o seu propósito é louvar ao Senhor e comunicar as maravilhas de Deus a todo o povo e às próximas gerações.
Cantar não é uma opção
“Cantem ao Senhor um novo cântico; cantem ao Senhor, todos os habitantes da terra!”. (Salmo 96:1).
De todas as manifestações culturais, especificamente dentre as produções artísticas, a música é relatada, descrita, prescrita e ordenada nas Escrituras como expressão de adoração. A hinologia bíblica pode ser encontrada nas narrativas, nas cartas e em livros inteiramente dedicados a este tipo de composição. A Bíblia relata pessoas irrompendo em cânticos de louvor a Deus, assim como os anjos e a própria natureza. O cântico encontra lugar privilegiado no texto bíblico e as descrições litúrgicas, quando são ordenados o ensino e a pregação, incluem os “salmos, hinos e cânticos” (Colossenses 3:16).
O nascimento de Cristo é celebrado com um coro angelical. Os evangelhos registram o entoar de um cântico após a Ceia do Senhor (Mateus 26:30). Nos cultos, a Igreja se reunia com orações e louvores e, nas prisões, os apóstolos “oravam e cantavam louvores a Deus” (Atos 16:25). A visão de Apocalipse inclui diversidade de cânticos, entoados por todas as criaturas de Deus. Testemunhar as verdades de Deus em música é o que somos compelidos a fazer. Louvar a Deus com cânticos é uma certeza futura. Cantamos porque o Senhor se agrada dos louvores do seu povo. Sendo assim, que todo o ser que respira louve ao Senhor.
Cantar o quê?
Segundo John Frame, o cântico não é um elemento de culto, mas um meio pelo qual os elementos são realizados5. Assim, o cântico pode trazer uma oração ou pode ensinar. Pode ser uma bênção, uma confissão, um voto, ou vários desses elementos combinados. O cântico pode criar um ambiente de contrição ou de comunhão, de celebração ou de lamento. A música também pode ser utilizada para marcar transições ou momentos litúrgicos, convidando a congregação à participação comunitária.
Como linguagem, a música encontra espaço na liturgia desde que expresse um elemento de culto. É especialmente importante que a música seja utilizada para comunicar as verdades bíblicas, de modo que estas verdades não sejam apenas ouvidas, mas acolhidas em nossos corações. Pelo mesmo motivo, o rigor teológico dos nossos hinários é tão importante. Através dos cânticos, heresias e mentiras podem ser plantadas na Igreja como inocentes canções de adoração.
Por fim, a função da música, da arte, da cultura e de tudo o que somos e fazemos é glorificar a Deus. Devemos cantar louvores em honra ao Seu nome simplesmente porque Ele se agrada disso. Portanto, a maior preocupação sobre o conteúdo daquilo que cantamos é se o meu canto encanta ao Senhor.
Conclusão
A música é uma potente expressão de louvor e adoração e relevante no culto público. Desejada e ordenada por Deus, a música não deve ser considerada como enfeite dispensável, um momento menos edificante ou intelectualmente inferior do culto. Pelo contrário, justamente devido à sua importância, os elementos musicais do culto precisam ser considerados para que de fato expressem o seu devido propósito, edifiquem a Igreja e glorifiquem a Deus.
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1. ROOKMAAKER. Hans R. O dom criativo. Trad. William Campos da Cruz. Brasília (DF): Monergismo, 2018. p, 40.
2. HOW playing an instrument benefits your brain. Direção: Sharon Colman Graham. Produção: Anita Collins. Intérprete: Addison Anderson. Roteiro: Alex Gendler. [S. l.]: TEDEd, 2014. Disponível em: https://ed.ted.com/lessons/how-playing-an-instrument-benefits-your-brain-anita-collins. Acesso em: 2 out. 2021.
3. FRAME, John. Em espírito e em verdade. Trad. Heloísa Cavallari Ribeiro Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 153.
4. SPURGEON, Charles H. O tesouro de Davi. Trad. Elisa Tisserant de Castro. Curitiba (PR): Publicações Pão Diário, 2019, p. 433.
5. FRAME, op. cit., p. 88.
Referências Bibliográficas
AMORESE, Rubem. Louvor, adoração e liturgia. Viçosa (MG): Ultimato, 2004.
CARSON, D. A. et al. Louvor: análise teológica e prática. Trad. Wilson de Almeida. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.
FRAME, John. Em espírito e em verdade. Trad. Heloísa Cavallari Ribeiro Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2016.
GETTY, Keith; GETTY, Kristyn. Cante! Trad. Elizabeth Gomes. São José dos Campos (SP): Fiel, 2018.
HOW playing an instrument benefits your brain. Direção: Sharon Colman Graham. Produção: Anita Collins. Intérprete: Addison Anderson. Roteiro: Alex Gendler. [S. l.]: TEDEd, 2014. Disponível em: https://ed.ted.com/lessons/how-playing-an-instrument-benefits-your-brain-anita-collins. Acesso em: 2 out. 2021.
PETERSON, David. Teologia bíblica da adoração. Trad. Marcelo Gonçalves. São Paulo: Vida Nova, 2019.
ROOKMAAKER. Hans R. O dom criativo. Trad. William Campos da Cruz. Brasília (DF): Monergismo, 2018.
SHEDD, Russell. Adoração bíblica. 2. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2007.
SPURGEON, Charles H. O tesouro de Davi. Trad. Elisa Tisserant de Castro. Curitiba (PR): Publicações Pão Diário, 2019.