Escrito por João Marcos Chaves, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2023
Introdução
Em todas as áreas da vida, é muito comum termos que tomar atitudes que vão das mais importantes às mais triviais. Todavia, independente de qual categoria tal atitude se enquadre, sempre buscamos referências e exemplos de outros que já fizeram algo parecido para, assim, buscarmos ser mais assertivos. Isso é tão natural que até mesmo a mensagem bíblica conduz os cristãos a uma constante busca de serem imitadores de Jesus Cristo. Buscar referências para estar conosco de alguma forma em nossa caminhada aqui na terra é um ato bíblico.
Contudo, existe uma grande preocupação por trás desse nosso constante impulso de busca por referências a serem seguidas. Afinal, o que temos imitado? É fato que nossas mentes e corações são constantemente assediados por inúmeras coisas que vão desde pessoas a situações. Isso torna tudo muito mais difícil. O volume de acesso e exposição à informação de hoje nos torna mais sensíveis a outras perspectivas e, logo, a muitas potenciais referências que contradizem umas às outras em seus, ou nossos, valores.
O raciocínio aqui não está sendo feito para chegarmos àquela clássica indagação que todos os cristãos já foram submetidos alguma vez na vida: a quem você tem imitado, o mundo ou a Deus? Essa é uma questão muito importante, mas o foco aqui não é este. O ponto aqui é como a Igreja de Jesus Cristo tem o potencial de oferecer o mais lindo e absoluto padrão para ser seguido em diversas áreas da vida. O tom delimitado aqui não é exatamente confrontador sobre quem estamos imitando, mas sobre o que podemos estar perdendo de vista por pura teimosia e ceticismo diante das promessas de Deus para seu povo.
Para refletirmos sobre isso, é interessante nos valermos de como o autor holandês Roel Kuiper se refere à igreja e qual influência ela pode exercer de dentro para fora. Kuiper olha a igreja como uma comunidade privilegiada por conta do tema central do seu relacionamento com Deus e, por consequência, consigo mesma: a aliança. Este ato de se fazer aliança, ou pacto, é o que o povo de Deus é orientado a se valer para guiar suas relações de forma genuína e preocupada. É por conta dessa perspectiva pactual que encontramos beleza e profundidade nos empreendimentos da igreja a ponto dela não ser mais uma coisa ou oferta de perspectiva que podemos imitar. Diferente de tudo, a igreja que vive verdadeiramente na aliança não assedia nossas mentes e corações. Ela os preenche e completa.
Produção de capital moral
A igreja deveria se destacar dentre todas as instituições que ofertam modelos a serem imitados porque ela é, segundo os termos de Roel Kuiper, uma comunidade capaz de produzir o que ele chama de capital moral. Segundo Kuiper, este capital moral é
a capacidade (individual e coletiva) de estar junto ao próximo e ao mundo de uma forma preocupada. Aqui, vou me limitar a dizer que no comportamento preocupado do qual estou falando se expressam valores centrais como amor e lealdade — em diversas modalidades e de acordo com contextos. A capacidade de estar junto ao próximo de uma forma preocupada é expressa em padrões de responsabilidade social e, portanto, tem por definição bases e características sociais. O capital moral está ancorado nas práticas sociais cotidianas como a da educação, mas também de atividade econômica e política, gestão do meio ambiente e o empenho por um time de futebol, por exemplo (KUIPER, 2019, p. 24).
Ao lermos o que o autor se refere quando define capital moral, podemos identificar duas coisas. Em primeiro lugar, justamente o que já estamos falando, está a incrível ressonância que temos com a expectativa das ações numa igreja saudável. Estar alicerçado em relacionamentos intencionais, preocupados, desprovidos de interesse e movidos por virtudes genuínas, é um privilégio daqueles que foram feridos pela mensagem do evangelho e entendem que seu relacionamento restaurado com Deus é pura graça. Os trabalhos de ministérios como discipulado, amparo, liderança, paternidade, aconselhamento, e tantos outros, são produtores ativos de capital moral.
Em segundo lugar, há o contraste com o que é produzido nas mais diversas instituições. Dificilmente, encontramos a produção de capital moral por conta de uma estrutura contratual muito mais acentuada. O que queremos dizer com isso? Diferente das relações de aliança que comentamos anteriormente, o que conduz, neste caso, ao cumprimento de compromissos ou qualquer outra atitude considerada positivamente moral é o contrato, ou a lei. O que faz um homem não trair ou agredir sua esposa não são virtudes cultivadas no indivíduo por sua comunidade, mas a lei que determina que este perderá direitos e posses, ou será preso.
É muito interessante o resultado da comparação entre cada um destes dois pontos. O primeiro, vinculando a igreja à produção de capital moral, tem aspectos comunitários muito mais acentuados do que o segundo. Este, por sua vez, caminha para um lado extremamente oposto onde a única relação verdadeira que é possível estabelecer é a do indivíduo comprometido consigo mesmo, buscando cumprir seus contratos. É possível ver uma clara escassez de valores por trás disso. É inegável que os contratos, em grande parte, funcionam e que, na nossa sociedade, eles blindam a população de uma situação muito pior.
Porém, quando buscamos modelos a seguir, independente de qual seja a área da vida e qual seja o problema, qual destes oferece mais do material de nosso desejo? Qual é a referência mais carregada de valor para um trabalhador? Aquela que se baseia na relação do serviço justo, diligente, honesto e fiel, estimulado na igreja pelo testemunho da Palavra e que produz capital moral intenso o suficiente para irradiar para fora das paredes do templo? Ou a da cultura do workaholic e de promessas soberanas de sucesso, satisfação e dinheiro acima de tudo e de todos, que encontramos cotidianamente nos mais variados veículos digitais de informação?
É possível que, dia após dia, estejamos cada vez mais distantes de um imenso tesouro que Deus coloca na vida daqueles que estão presentes numa comunidade de fé. A igreja nos é apresentada como uma comunidade moral, uma das poucas produtoras possíveis de reais valores que nos permitem romper a bolha de referências vazias que tomamos para conduzir nossas ações e, até mesmo, nossa personalidade. Cada vez mais podemos estar nos tornando alérgicos ao capital moral.
Coisas ruins que desencorajam
No decorrer de todo o caminho que trilhamos até aqui, temos feito uma apologia à igreja e ao capital moral que ela produz para serem tomados como nossos modelos nas mais diversas áreas. Isso é feito para que possamos fugir cada vez mais de propostas tão desprovidas de valores e potencial de se sustentar que acabam beirando utopias. Todavia, ao mesmo tempo que estamos fugindo destes cenários utópicos, pode ser que tenha ficado a impressão de que estamos correndo para outro. Afinal, essa igreja perfeita, baseada em valores, altruísmo, moderação e sabedoria realmente existe?
Todos os membros de igreja antigos, o suficiente para já terem se deparado com uma decepção ou outra, podem estar rindo ao ler tudo que foi descrito até aqui. Afinal, igrejas são compostas por pessoas comuns. Inúmeras são arrogantes, altivas, interesseiras e até preconceituosas. Como podemos, então, falar da igreja como um bom modelo de família, masculinidade e feminilidade, quando ela claramente prioriza apenas a relação com os casados, tornando o estado civil em um status superior? Como podemos achar referências em comunidades que transformam o púlpito dominical em um palanque de uma determinada agenda política em período eleitoral? Estas são perguntas genuínas, mas que felizmente não desfavorecem em nada nosso ponto sobre a necessidade de buscarmos cada vez mais a produção de capital moral.
Não está sendo colocado em pauta qualquer utopia aqui, mas a única alternativa viável para todas as instituições já conformadas com sua situação de podridão interior. A igreja não está imune à influência da idolatria do ego que a falta de capital moral gera. Entretanto, ela nunca deve ser cética às ordens e o desejo de Deus para que ela seja cada dia mais pura. Em toda a história da redenção, vemos o relato de que pouco importava se o povo de Deus era fiel aos seus cerimoniais ou práticas sistemáticas pessoais. O Senhor julgava, purificava e reorientava seu povo para que voltassem aos Seus caminhos. Somos chamados a viver por fé no poder do Senhor da igreja, obedientes a todo momento mesmo no deserto, certos de que por vista nos frustramos, mas por fé encontramos nosso tesouro. Esse tesouro, por sua vez, é entregue para o mundo quando é bem cultivado. A igreja é instrumento de Deus para entregar capital moral ao mundo.
Conclusão
Não há outra conclusão possível a não ser olharmos para aquilo que está à nossa frente o tempo inteiro. Tão importante quanto a questão de quem temos imitado, é a questão de o porquê desejamos nos valer de exemplos tão pobres. Todos aqueles à imagem e semelhança de Deus foram feitos para a eternidade. São corações que almejam sempre algo mais sublime. Assim, nosso olhar pode estar cobiçando o ouro dos tolos e encontrando algum contentamento, mas o verdadeiro tesouro já nos foi entregue. Cabe decidirmos se o enterramos ou o fazemos render.
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Referências bibliográficas
KUIPER, Roel. Capital moral: o poder de conexão da sociedade. Tradução: Francis Petra Janssen. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. 309 p.