Ensaio escrito por Rejane Canary, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024
Introdução
O anseio pelo conhecimento e pela sabedoria sempre esteve presente por toda a história da humanidade. A mãe da raça humana, Eva, rendeu-se às promessas de conhecimento da árvore que Deus havia proibido de comer no Jardim do Éden. Os chamados sábios foram figuras proeminentes nas cortes do Antigo Oriente Próximo, bem como no mundo helenista, na figura célebre dos filósofos, os quais refletiam sobre as dinâmicas da vida. O mundo moderno, em sua intelectualidade e cientificismo, seguiu o fluxo da história em busca de conhecimento e sabedoria, obtendo relevantes conquistas. No entanto, em grande medida, é um conhecimento, como em outras eras, autocentrado e até apóstata. Não é prudente e não favorece o florescimento pleno do ser humano ─ que é algo complexo ─, assim como não glorifica a Deus.
Então, a pergunta que ecoa no espaço e no tempo, na consciência de gente simples e de pensadores notáveis, é a seguinte: Onde se encontra o coração da verdadeira sabedoria? Como nos tornamos sábios? A Bíblia hebraica, particularmente na literatura sapiencial, cada livro com sua peculiaridade ─ Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares ─, defende, consistentemente, que a verdadeira sabedoria se encontra no temor a Deus. Por conseguinte, este ensaio se propõe a refletir sobre alguns pensamentos a respeito da sabedoria e do temor a Deus, a partir de Provérbios, Eclesiastes e Jó ─ livros bíblicos que, segundo o escritor Tremper Longman, possuem a mais profunda e intensa exposição de sabedoria no Antigo Testamento (LONGMAN, 2023, p. 13). Por outro lado, pontuamos que o tema da sabedoria pode ser encontrado em vários outros livros da Bíblia, inclusive no Novo Testamento.
A sabedoria no livro de Provérbios
Logo no início, o livro de Provérbios estabelece que o “temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução” (Provérbios 7:1), sendo que, no escopo do livro, diferentes palavras são usadas no contexto amplo do conceito sabedoria ─ entendimento, discernimento, disciplina, prudência e ainda outras. Assim, podemos perceber a complexidade do conceito. A sabedoria no livro possui três aspectos estreitamente interligados; prático, ético e teológico. No entanto, o núcleo do versículo apresentado é o caráter teológico, ou seja, “temer a Deus”. Ao longo do tempo, tal expressão tem sido compreendida de diferentes maneiras, como respeito, porém, ela é considerada “inadequadamente fraca”, do mesmo modo que o termo reverência se mostrou muito distante do significado hebraico. Além disso, não é pavor que leva homens e mulheres a fugirem de Deus. Longman, em sua obra O Temor a Deus é sabedoria, argumenta assim:
O “temor” na frase “temor do Senhor” é a sensação de estar diante do Deus que criou todas as coisas, incluindo os seres humanos cuja existência continuada depende dele. A emoção é apropriada para a sabedoria porque demonstra o reconhecimento de que Deus é muito maior que nós. Ele tira o fôlego e faz nossos joelhos tremerem. Tal medo gera humildade e sinaliza a disposição de receber instruções de Deus (LONGMAN, 2023, p. 33).
Há de se notar, no ensino do Livro de Provérbios, que o temor a Deus leva necessariamente a ouvir com atenção a Deus e obedecê-lo. De fato, o caráter teológico da sabedoria leva ao ético que conduz ao caráter prático. Ser sábio, segundo Provérbios, é um processo, é dar ouvidos às autoridades corretas; Deus, pais e mães.
A sabedoria no livro de Eclesiastes
Para muitos, a leitura do livro de Eclesiastes pode ser perturbadora ou até desanimadora. Tudo na vida, no final, parece ser sem sentido para uma das vozes narrativas. Estudiosos argumentam haver duas pessoas falando no livro, dois sábios, sendo que um deles busca significado nessa existência (debaixo do Sol). O trabalho, prazer, riquezas, relacionamentos e a sabedoria são esquadrinhados por ele e finaliza admitindo que nada disso traz sentido à existência; “vaidade de vaidade, diz o mestre, tudo é vaidade (Eclesiastes 12:8 NVI)”. Ele admite certo valor na sabedoria, entretanto a considera sem sentido, principalmente, devido à presença da morte. A outra voz presente no livro, ─ voz principal ─, o segundo sábio, argumenta no desfecho do livro, onde se encontra o sentido da vida e o que é de real valor: “Teme a Deus e guarda os seus mandamentos, porque este é o dever da humanidade. Pois Deus trará a juízo, incluindo todas as coisas ocultas, sejam boas, sejam más” (Eclesiastes 12; 13-14), rememorando a afirmação de Provérbios.
A sabedoria no livro de Jó
Nosso primeiro olhar sobre a narrativa de Jó é o seu sofrimento. No entanto, é preciso perceber que esse sofrimento proporciona uma oportunidade para se refletir sobre a sabedoria. Os personagens humanos envolvidos ─ Jó e seus amigos ─ possuem discordantes entendimentos a respeito da sabedoria. Todavia, eles reivindicam sua própria sabedoria e tratam o sofrimento de Jó de maneira inadequada. O início do livro mostra que Jó temia a Deus e se afastava do mal, mas não possuía sabedoria suficiente para lidar com seu sofrimento ─ dilema de Jó. Sua sabedoria precisava ser aprofundada e amadurecida, pois, o sábio, segundo Provérbios, precisa crescer em sabedoria (Provérbios 1: 5 – 6). No diálogo com Deus, Jó se depara com os limites da sabedoria humana, isto é, com os seus próprios limites. Compreende que a sabedoria mora com Deus. Logo, a resposta apropriada à sabedoria de Deus é o temor e submissão (LONGMAN, 2023, p. 97). Nas palavras de Longman:
À medida que vemos Jó passando de um nível de temor do Senhor no início do livro para o que descrevemos como uma expressão ainda mais madura desse temor, notamos que o livro de Jó acrescenta a dimensão de que o sábio pode se tornar ainda mais sábio. Afinal, como diz Provérbios, “o temor de YHWH é o princípio do conhecimento” (LONGMAN, 2023, p. 96).
Conclusão
Por fim, esses livros da literatura sapiencial bíblica ─ Provérbios, Eclesiastes e Jó ─ mesmo com diferentes características ─ apontam para o mesmo pensamento; o temor a Deus conduz o homem à verdadeira sabedoria. O sábio é aquele que ouve a Deus e obedece aos seus mandamentos. A leitura dos três livros nos coloca diante de uma visão mais clara da sabedoria. “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento”, afirma Provérbios. Teme a Deus e “obedece aos mandamentos,” afirma Eclesiastes. “Eis que o temor do Senhor é sabedoria”, conclui o livro de Jó.
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Referências Bibliográficas
DULCI, Pedro. Onde, porém, se poderá encontrar a sabedoria? Invisible College. GO. 2024. Duração 39.37. Disponível em: https://hubinvisiblecollege.com.br/course/tutoria-filosofica-2024
LONGMAN, Tremper. O temor do Senhor é sabedoria: uma introdução teológica à sabedoria em Israel. Trad. Samuel Fernandes do Nascimento Jr. Ed. 1. Eusébio, CE. Editora Peregrino. 2023. 396 p.