Escrito por Mariana Aranha Viana Guzzoni, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2022
O Deus do Novo Testamente é o mesmo do Antigo Testamento? Esse é um questionamento levantado por algumas pessoas que enxergam o Antigo Testamento tratando de um Deus rígido e severo, distinto do Deus amoroso que Jesus — e o Novo Testamento — veio revelar. Causa-lhes surpresa o fato de Deus ser justo ao exercer justiça e juízo, quando, na verdade, deveriam se surpreender com o fato Dele agir em toda a história com bondade, graça e amor mesmo com os seres humanos não sendo merecedores de nada disso. De forma bastante apropriada, R. C. Sproul escreveu que “quando a justiça de Deus se manifesta, ficamos ofendidos porque achamos que Ele nos deve misericórdia perpétua” (SPROUL, 2008, p. 123).
No Jardim do Éden, Deus nutria com o homem um relacionamento de amor. Entretanto, a Queda, com a entrada do pecado, trouxe uma ruptura no modo do homem se relacionar com o seu Criador, bem como uma deturpação da imagem de Deus e da própria imagem do homem. O resultado foi uma desconexão e hostilidade na maneira de o homem enxergar a Deus, com os olhos e coração cheios de injustiça e inimizade.
Desde então, vivemos o progresso da redenção, onde Deus, em toda a história, sempre age em missão de resgate do homem, manifestando Seus aspectos paternais e amorosos. É uma grande história pertencente e encenada por um Deus imutável, que em todo o Antigo Testamente sempre agiu com base nos Seus atributos de amor, justiça, graça e misericórdia. Nas palavras de A. W. Pink, “Deus é perpetuamente o mesmo: não é sujeito a mudança alguma em Seu ser, em Seus atributos e em Suas determinações” (PINK, 2016, p. 57). Logo, Deus não mudou, tampouco Seus atributos sofreram mudanças. Ele era, é, e sempre será amoroso, justo, gracioso e misericordioso.
Deus sempre foi ao encontro de quem Ele criou: o Senhor foi ao encontro de Adão, de Abraão, de Moisés e de tantos outros, assim como veio até nós em Cristo Jesus. Ele formou o homem para um relacionamento pessoal de comunhão plena e, no decorrer do drama da redenção, escolheu um povo, tratando-o com laços de amor, para que O conhecessem e vivessem na Sua presença, sendo luz para as demais nações. Não obstante todo esse amor e cuidado, a injustiça e inimizade do coração do povo de Israel deturparam sua visão e seu relacionamento com Deus. De forma progressiva e orgânica, Deus continuou a manifestar seu amor, justiça, graça e misericórdia, cujo ápice foi o envio ao mundo de Seu Filho para trazer reconciliação completa e definitiva.
O Filho vem até nós trazendo a revelação de quem Deus Pai é, o que abarca, assim, a Sua paternidade. Deus não se tornou Pai na encarnação de Jesus. Pelo contrário, jamais houve tempo quando Deus não era o Pai de Jesus Cristo e jamais haverá tempo quando Ele deixará de ser. No evangelho de João 17:24, Jesus deixa claro que o Pai o amava antes da fundação do mundo: “Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste porque me amaste antes da criação do mundo”, conforme bem expressou Michael Reeves:
O Filho agora traz para nós o amoroso relacionamento que sempre havia desfrutado com seu Pai. Quando se torna homem, pela primeira vez um ser humano desfruta da comunhão que o próprio Filho mantém com o Pai. Em Jesus, pela primeira vez, um ser humano vive em perfeita comunhão com Deus. Amando a Deus com todo o seu coração, alma, mente e força, amando seu próximo como a si mesmo, ele é o primeiro e único a guardar e cumprir a lei. (REEVES, 2018, p. 63)
O amor com que Deus amou o mundo, dando o Seu próprio Filho, conforme descrito no evangelho de João 3:16, é o mesmo amor que Deus amava o povo no Antigo Testamento, como vemos Ele próprio afirmando à nação de Israel: “Eu a amei com amor eterno; com amor leal a atraí” (Jeremias 31:3). Antes da fundação do mundo, o Deus de amor nos amou e nos escolheu em Jesus, não pelo que fazemos, merecemos ou somos, mas por causa do Seu amor, consoante o apóstolo Paulo disse em Efésios 1:4: “mesmo antes de criar o mundo, Deus nos amou e nos escolheu em Cristo para sermos santos e sem culpa diante dele”.
Dessa maneira, o Filho veio revelar a paternidade do Deus que se relaciona com as pessoas de um jeito amoroso, sem que o Seu amor anule ou cancele a Sua justiça e tampouco os Seus demais atributos. Ele veio para tirar a visão turva que nos impedia de ver a Deus, bem como para desfazer a inimizade e cumprir em si mesmo toda a justiça devida em decorrência da nossa injustiça.
Por meio do Filho, podemos ver Deus Pai, não projetando Nele a nossa visão deturpada e falha de paternidade, mas permitindo que o próprio Filho defina o que significa paternidade, pois só há paternidade humana porque sempre houve a paternidade divina. Jesus conhecia e confiava no Pai amoroso que Deus sempre foi, é e sempre será. Ele veio nos mostrar que, em todo o tempo, até mesmo na cruz, o Pai é totalmente confiável, bondoso, justo, gracioso e misericordioso, como ensinado por R. C. Sproul:
A cruz foi ao mesmo tempo o mais horrível e o mais lindo exemplo da ira de Deus. Foi o ato mais justo e mais gracioso da história. Deus teria sido mais do que injusto, teria sido diabólico ao efetuar aquele castigo se o próprio Jesus não houvesse primeiro, voluntariamente, tomado sobre si os pecados do mundo. Cristo se ofereceu voluntariamente para ser o Cordeiro de Deus, carregado com o nosso pecado, tornando-se, assim, o ser mais vil e grotesco deste planeta. Com o fardo de pecado concentrado que carregou, tornou-se repugnante para o Pai. Deus derramou sua ira nesse ser repulsivo. Ele o fez maldito pelo pecado que carregou. Aqui a justiça de Deus foi perfeitamente manifesta. Contudo, éramos nós que merecíamos esse castigo. Jesus tomou sobre si a punição que era destinada a nós. Esse aspecto da cruz “para nós é o que demonstra a sublimidade da sua graça. Ao mesmo tempo justiça e graça, ira e misericórdia. É tão espantoso que temos dificuldade para compreender. (SPROUL, 2018, p. 63)
Deus nos fez participantes desse amor, permitindo-nos amar, assim como nos fez participantes da paternidade, permitindo-nos ser pais. Assim, a paternidade revelada por Jesus impacta nossa paternidade, porquanto torna-se o nosso padrão. Não precisamos seguir o modelo de paternidade de Adão e seus descendentes. Temos um modelo maior, um Deus que, por toda a eternidade, é Pai de Cristo Jesus. Por isso, podemos vivenciar a paternidade, não como proprietários dos nossos filhos, mas como embaixadores do nosso Pai Celeste, como bem elucidado nas palavras de Paul Tripp:
A tarefa de criar filhos que é apropriada e produz o que Deus deseja começa com o reconhecimento absoluto e submisso de que nossos filhos, na realidade, não nos pertencem. Pelo contrário, todo filho ou filha, em cada família, em qualquer lugar do planeta, pertence àquele que os criou. Os filhos são herança do Senhor (S1 127.3) para o seu propósito. Isso significa que o plano de Deus para os pais é que sejam agentes divinos na vida daqueles que foram criados à sua imagem e confiados ao nosso cuidado. A palavra que a Bíblia usa para essa posição intermediária é embaixador. Essa é, de fato, a palavra perfeita para o que Deus convida os pais a serem e fazerem. A única coisa que um embaixador faz, se estiver interessado em preservar seu emprego, é representar fielmente a mensagem, os métodos e o caráter do líder que o enviou. Ele não está livre para pensar, falar ou agir de forma independente. Todos os seus atos, bem como suas decisões e interações, devem ser moldados por esta única pergunta: “Qual é a vontade e o plano daquele que me enviou? (TRIPP, 2008, p.11-12)
Toda essa grande e magnífica história da redenção foi revelada desde o Antigo Testamento e culminou com o Filho vindo nos mostrar o Pai e restaurar a imagem mais preciosa para a qual fomos criados: filhos de Deus. É cediço que “o reino ainda não chegou para nós em sua plenitude. Ainda estamos envoltos pela escuridão do pecado e pela rebelião contra Deus” (BARTHOLOMEW, GOHEEN 2017, p. 229). Contudo, a despeito de ainda vivermos debaixo da influência e pressão do pecado, da cultura, das ideologias, dos modelos deturpados de paternidade e dos padrões desordenados de criação de filhos, resta indubitável que conhecer a paternidade definida por Jesus transforma a nossa própria paternidade, pois a maneira como Deus Pai exerce a paternidade é o ensinamento mais valioso sobre como sermos bons pais para os nossos filhos. Como em tudo o que somos e fazemos, nossa paternidade é para a glória de Deus.
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Bibliografia
BARTHOLOMEW, Craig G., GOHEEN, Michael W. O drama das Escrituras: Encontrando o nosso lugar na história bíblica. Trad. Daniel Kroker. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2017.
REEVES, Michael. Deleitando-se em Cristo. 1ª ed. Trad. Hélio Kirchheim. 1ª ed. Brasília: Editora Monergismo, 2018.
REEVES, Michael. Deleitando-se na Trindade. Trad. Josaías Cardoso Júnior. 2ª ed. Brasília: Editora Monergismo, 2018.
PINK, A.W. Os atributos de Deus. Trad. Odayr Olivetti. 1ª ed. Santo Amaro: Editora PES, 2016.
SPROUL, R. C. A santidade de Deus: a grandeza, a majestade e a glória de Deus. 2ª ed. Trad. Língua Viva Cursos; São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
TRIPP, Ted. Desafio aos pais: os 14 princípios do evangelho que podem transformar radicalmente sua família. 1ª ed. Trad. Claudia Vassão Ruggiero; São Paulo: Cultura Cristã, 2018.