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Renderização da realidade: a importância da imaginação na apologética

Escrito por Kaiky Fernandez, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2022


No trabalho de computação gráfica ou de produção audiovisual, “renderizar” é uma expressão comum. De forma simples, ela se refere a uma etapa final na elaboração de algum produto gráfico — como um ambiente imersivo tridimensional ou um arquivo de vídeo —, na qual os dados inseridos no software de edição utilizado são transformados em um produto final para o usuário.

Em uma analogia limitada, é como se a renderização fosse uma massa que passa alguns minutos no forno para se tornar um bolo. Antes de assar, é apenas uma mistura de ingredientes. Mas, depois daquele processo, ela é transformada em outra coisa. Na renderização, é da mesma forma. Antes dela, havia apenas dados misturados, mas sem algo concreto.

O que isso tem a ver com apologética? Tudo! A questão-chave, para que esse conceito faça sentido aos nossos propósitos, é entender que nem todos os dispositivos renderizam da mesma forma. Quanto mais complexa for a renderização, maior deve ser a capacidade de processamento ou de memória da máquina, por exemplo. Em suma, para acontecer, a renderização demanda alguns requisitos prévios. Lembre-se disso. Voltaremos aqui em breve.

Van Til e Dooyeweerd

Cornelius Van Til foi defensor da apologética pressuposicional. Para ele, o diálogo com o outro deve pressupor a realidade biblicamente revelada: a existência de um Deus infinito e pessoal, criador, sustentador e redentor de toda a realidade. E além: a existência de um Deus trinitário, o qual reflete as relações do Pai, do Filho e do Espírito neste mundo que Ele criou.

O autor propõe uma crítica transcendente, ou seja, uma crítica feita pela teologia a todas as outras áreas do saber, tendo como fundamento a própria revelação de Deus. É a partir dela que temos condições de julgar todas as outras coisas. Portanto, uma de suas contribuições está em apontar para a necessidade de conformarmos a nossa forma de enxergar a realidade à própria revelação de Deus sobre essa realidade. 

Ao contrário de Van Til, Herman Dooyeweerd foi um filósofo, e não um teólogo. Portanto, sua proposta é uma filosofia da ideia cosmonômica. Ele propõe que a experiência humana seja constituída de diferentes aspectos (quinze, no total), os quais possuem suas próprias leis internas.

Sua proposta é de uma crítica transcendental, ou seja, questionar o ponto de partida de toda atividade teórica humana, bem como analisar como as coisas são conhecidas pelo indivíduo. Assim, uma de suas contribuições está em nos livrar de reducionismos e nos auxiliar a identificá-los, ou seja, quando um aspecto da realidade se torna absoluto em detrimento dos demais.

Uma proposta de reconciliação

Na obra Um método trinitário neocalvinista de apologética, o autor Guilherme Braun Jr. propõe uma reconciliação entre a teologia reformada de Cornelius Van Til e a filosofia reformacional de Herman Dooyeweerd visando uma aplicação mais rica e abrangente na apologética cristã.

O autor reconhece que ambas têm importantes contribuições para a questão e, portanto, não devem necessariamente ser compreendidas como duas forças antagônicas. O mais adequado seria reconhecer que se tratam de abordagens distintas — uma teológica e outra filosófica —, com objetivos distintos, mas que possuem pressupostos em comum: a revelação do Deus triúno:

Assim, a reconciliação da teologia reformada e da filosofia reformacional na apologética, bem como a tradução das contribuições mencionadas para a linguagem comum, são questões de sensibilidade à Palavra-revelação de Deus, de ativar e desenvolver o potencial dado à igreja, por meio da qual Deus molda a cultura. (BRAUN JR., 2019, p. 27).

Grande parte da riqueza do método proposto por Braun Jr. está em se apropriar das contribuições dos autores que ele coloca em diálogo no trabalho apologético com o incrédulo, chegando à conclusão de que:

O Deus triúno é a verdadeira Origem, que constitui e garante com coerência a unidade e a diversidade por meio de sua providência. Essa percepção é de grande importância para a apologética reformada, a fim de tornar a abordagem verdadeiramente neocalvinista. (BRAUN JR., 2019, p. 131).

Enquanto Dooyeweerd nos auxilia a compreender que a experiência humana tem diferentes aspectos, os quais não podem ser absolutizados, Van Til o complementa com sua ênfase trinitária, apontando que tanto a origem quanto o que possibilita coerência e unidade a essa pluralidade é o próprio Deus triúno. Assim, temos uma possibilidade rica, não reducionista e coesa para lidarmos com o mundo e tudo aquilo que faz parte dele, inclusive o ser humano.

A importância da imaginação

Para falar em imaginação, é preciso explicitar a qual definição nos referimos. Embora muitos dos conceitos tenham suas similaridades, eles também possuem diferenças importantes. A ideia não é julgar um como sendo correto em relação aos demais, mas ter precisão em relação ao que estamos propondo aqui.

Ao falar sobre imaginação, é comum fazermos uma associação à fantasia ou à criação de algo que ainda não existe. Pessoas com “imaginação fértil” são popularmente conhecidas como aquelas mais inventivas, que têm alguma vocação artística ou que possuem um vasto repertório para analogias. No entanto, o autor Kevin Vanhoozer define de outra forma:

(…) a imaginação não é apenas uma faculdade para a criação de imagens, mas muito mais importante que isso, a faculdade para a criação ou descoberta de ligações e formas dotadas de sentido. (…) Pense na imaginação como um poder ‘formador’: habilidade de criar ou perceber totalidades dotadas de sentido e forma coerentes. (VANHOOZER., 2018, p. 26).

Para ele, a imaginação é a habilidade humana de enxergar sentido e coerência na realidade. Portanto, pessoas cuja imaginação foi nutrida de formas diferentes, enxergam a realidade de formas diferentes. Por exemplo, o modo como um cristão, com sua imaginação biblicamente nutrida, enxerga o ser humano é diferente da maneira como um indivíduo que a teve nutrida por outro algo pode enxergá-lo.

A imaginação, assim, é o nosso renderizador. Ela possibilita que os dados apreendidos pela nossa experiência tenham coerência e sentido, sendo transformados no que chamamos de “realidade”. No entanto, assim como a renderização computacional, a imaginação não é uniforme: ela demanda pré-requisitos. A diferença é que, em vez de usar processadores e memória ram, ela usa a direção do nosso coração e tudo aquilo que é formativo para nossas vidas.

A aplicação apologética

Ao lidar com o descrente, muitas vezes um argumento lógico não é suficiente, apesar da sua importância. Nesse sentido, apelar para a imaginação pode ser um recurso importante. A ideia não é apresentar uma defesa lógica sobre o “problema do mal” ou sobre a criação do mundo, como algo meramente intelectualista.

Pelo contrário, é necessária uma sensibilidade sobre o espírito do nosso tempo. Reconhecer que mais do que questões lógicas, as pessoas estão desesperadas por sentido. Elas querem olhar para o trabalho, as relações familiares, o casamento e tudo que faz parte de suas vidas, e ver que essas coisas fazem sentido, que há uma intencionalidade e uma forma não reducionista de vivenciá-las.

Como resposta a esses dilemas, e nutrindo biblicamente nossa imaginação — partindo da revelação trinitária afirmada por Van Til e reconhecendo a pluralidade da experiência humana dos aspectos modais de Dooyeweerd —, podemos mostrar àqueles que não reconhecem o Deus triúno que a realidade é muito mais rica, ampla, completa e cheia de sentido.

Logo, nosso desafio é demonstrar ao outro que o ídolo que ele adora o faz ter uma visão da realidade limitada. Somente reconhecendo a diversidade na unidade da Trindade teremos condições de olhar para o mundo, reconhecer seus mais diversos aspectos, e saber que há coesão. Não pelo acaso, mas porque o próprio Deus, uma relação entre três Pessoas, a criou e, mais do que isso, se revelou a nós. 


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Referências bibliográficas

BRAUN JUNIOR, Guilherme. Um método trinitário neocalvinista de apologética: reconciliando a apologética de Van Til com a filosofia reformacional. Brasília, DF: Academia Monergista, 2019. 276 p.

VANHOOZER, Kevin J. Quadros de uma exposição teológica: cenas, testemunho e sabedoria da igreja. Tradução: Fabrício Tavares de Moraes. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018. 334 p.