Escrita por Daniela Regina Inácio Vieira, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2022
MCGRATH, Alister. Teologia natural: Uma nova abordagem. Tradução de Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo. Vida Nova. 2019. 368 p.
Existe uma forma de se fazer ciência que seja genuinamente cristã? Para Alister McGrath, sim. Em sua obra intitulada Teologia natural: uma nova abordagem, o profícuo professor da Universidade de Oxford propõe o desenvolvimento de um método de estudo para teologia natural. Uma abordagem que torne “possível identificar a verdade, a beleza e a bondade de Deus e que reconhece a natureza como indicador legítimo, autorizado e limitado do divino” (2019:17). Opondo-se, assim, ao pensamento iluminista baseado na razão humana, McGrath defende uma teologia teologicamente fundamentada. A obra é composta por 13 capítulos, divididos em três partes distintas, seguida de uma conclusão. A presente resenha tem como finalidade apresentar as principais ideias do capítulo sete, Uma abordagem cristã à teologia natural. Nele, o autor apresenta com maior detalhe sua nova proposta metodológica.
Inicialmente, McGrath afirma a necessidade de uma redefinição da forma de validação da teologia natural. Esta deve deixar de se basear em princípios gerais para aportar somente na tradição cristã (2019:171). McGrath utiliza o texto bíblico contido no Evangelho de João (1:1-18), afirmando que tal passagem lança “os fundamentos intelectuais de uma abordagem da teologia natural com base na encarnação” (2019:172). A encarnação de Jesus, o Verbo encarnado, “torna Deus conhecido aos seres humanos na ordem natural e por meio dela” (2019:173). A encarnação tornou visível o Deus invisível em meio aos processos naturais e a relação entre a criação e o nascimento de Jesus Cristo não deve ser ignorada.
Na sequência, o autor discorre sobre os cinco temas fundamentais para a tradição cristã. Seu objetivo é fundamentar e distinguir a abordagem cristã de outras, principalmente da abordagem deísta. Esta defende que, ainda que Deus tenha criado o mundo, não há relacionamento entre o Criador e a criação que se desenvolve de forma autônoma.
O primeiro tema refere-se à autorrevelação de Deus aos homens por meio da natureza. O centro da questão é como um Deus transcendente pode tornar-se conhecido aos homens. McGrath afirma que tudo é uma questão de mediação. Neste sentido, a tradição judaico-cristã oferece a correta perspectiva da natureza que é capaz de revelar a Deus, mas não substitui sua autorrevelação mediada pelas Escrituras.
Por sua vez, o segundo tema evidencia a relação entre a criação e o Deus Criador por meio da analogia. O autor destaca que, embora muitas correntes defendam a existência de um criador, há implicações diferentes no cristianismo. Primeiro, porque a doutrina da criação, para o cristão, se liga tanto à origem quanto ao propósito daquilo que foi criado. Segundo, há ligações estritas entre a doutrina da criação e a economia da salvação e da encarnação (2019:185). Por último, a criação ex nihilo demonstra a capacidade ilimitada de criação de Deus. A analogia, portanto, está na plena compreensão cristã de que, embora Deus se revele por meio da natureza, Ele não se confunde com ela.
O terceiro tema exposto é um dos centrais da fé cristã e tem a ver com a imago dei., a imagem de Deus impressa no ser humano que, nas palavras do autor, “lhe permite identificar, ainda que de forma um pouco vaga, o caráter de Deus na ordem criada” (2019:187). A interpretação desenvolvida neste tópico diz respeito à capacidade do ser humano em se “conformar mentalmente aos padrões estabelecidos pelo Logos divino na criação” (2019:187). Porém, ainda que o homem possa perceber intrinsecamente os vestígios de Deus na natureza e tenha anseios por encontrar a verdade, não pode discernir seu significado de maneira ampla, a não ser que seja alcançado pela graça salvadora revelada em Cristo Jesus, o Verbo encarnado.
O quarto tema trata da economia da salvação. Neste ponto, o autor enfrenta a dificuldade da ação do pecado na criação e suas implicações para a teologia natural. McGrath rejeita a visão deísta que responde ao problema da desordem observada no mundo marginalizando o Deus Criador. Ele afirma que uma mente genuinamente cristã perceberá, por meio da revelação especial de Deus, que além da criação primeira, haverá a restauração desta criação. A desordem observada terá fim. Essa esperança e entendimento recolocam na mente humana as coisas no lugar. Deus criou tudo belo e bom. O pecado manchou a criação, mas não lhe extinguiu a beleza. A encarnação de Cristo é a certeza da redenção. Tal perspectiva estabelece a necessidade de um novo olhar para a teologia natural. Esta sabe reconhecer o bom e o belo e diferenciar daquilo que é mal, consciente desta coexistência temporária.
O quinto tema torna-se de suma importância, pois é o fundamento e o critério da teologia cristã e a faz distinta de todas as outras matrizes de pensamento (2019:204). Trata-se da encarnação de Jesus Cristo. A encarnação de Cristo permite ver Deus na natureza por Ele criada. Tal perspectiva, segundo McGrath, nos fornece uma estrutura intelectual completa. Cristo é a chave da compreensão da teologia natural. É Ele quem faz convergir a “visão cristã de Deus, da humanidade e da ordem natural” (2019:106). É a doutrina cristã de encarnação que “nos convida a ver a “natureza” não apenas como criação de Deus”, mas, muito mais do que isso, é o “âmbito e o lugar em que Deus decidiu fazer sua habitação”. Nesta perspectiva, não há dualidade entre aquilo que é material e espiritual, pois o Deus Criador se revela completamente. O autor afirma categoricamente que “a ontologia determina a epistemologia” (2019:209). A percepção correta de Deus determina a forma de se compreender a ordem criada. O capítulo é encerrado com considerações a respeito da possibilidade de reposicionamento e regeneração da teologia natural por meio da tradição cristã, fundamentada na encarnação de Cristo e suas implicações ontológicas e epistemológicas da teologia natural.
Diante do exposto, a leitura da obra Teologia natural, de Alister McGrath, é importantíssima para o restabelecimento de uma teologia que esteja sob as bases cristãs. A nova abordagem apresentada pelo autor se contrapõe às visões declaradamente humanistas que afastam a teologia natural do Deus Criador. O restabelecimento da cosmovisão cristã para a teologia natural implica necessariamente em compreender, em primeiro lugar, que a teologia natural cristã diz respeito especificamente ao Deus cristão e suas formas de se autorrevelar, que culmina em Cristo. Sendo de caráter encarnacional, a teologia natural não pode ser dualista, pois a criação divina é também a habitação do divino. Assim sendo, o restabelecimento das bases cristãs da teologia natural a torna capaz de redirecionar corretamente os esforços intelectuais na busca de sentido para um mundo tão complexo e fascinante como o que habitamos.