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Resenha: Uma breve história das doutrinas cristãs

Escrita por João Paulo Albuquerque Coutinho, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2022


GONZÁLEZ, Justo L. Uma breve história das doutrinas cristãs. Tradução: José Carlos Siqueira. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2015. 256 p.


A história da doutrina diz respeito à matéria da teologia histórica que estuda o desenvolvimento das principais crenças cristãs ao longo dos séculos. Diferentemente da história da Igreja ou da história do pensamento cristão, a história da doutrina está interessada em compreender o processo de elucidação dos pontos considerados vitais da fé cristã, os quais são chamados de doutrinas ou dogmas. No entanto, poucas obras conseguem delinear a análise essa disciplina de forma abrangente e ao mesmo acessível à igreja local. Nesse sentido o livro Uma breve história das doutrinas cristãs, do autor Justo L. González, se destaca como uma produção distinta na literatura contemporânea, tendo em vista integrar essas atribuições de maneira excelente.

A abordagem trabalhada por González demonstra uma clara ênfase na importância do desenvolvimento da doutrina no âmbito da vida da Igreja. Ao contrário de produções com teor mais acadêmico e detalhista, o autor trabalha com a preocupação em trabalhar, na história da doutrina, aquilo que é mais essencial para o próprio povo de Deus. É defendido na obra que as doutrinas surgiram, primariamente, de maneira orgânica de acordo com as demandas da própria Igreja. Assim, o autor propõe a centralidade do culto e a vida prática do povo de Deus para entender o processo de formação dogmático (p. 11).

A fim de organizar melhor o delineamento da história das doutrinas, o autor optou por uma mescla entre a abordagem temática e a cronológica. Dessa forma, a obra não se propõe a fazer uma análise exclusivamente sistemática das doutrinas principais, tampouco um desenvolvimento histórico que poderia ser repetitivo em alguns meandros. Essa escolha terminou por organizar a obra de forma que siga o direcionamento histórico, destacando os principais temas debatidos nesses períodos específicos. O autor compara essa atividade a uma estrada contínua, a qual encontra alguns momentos de congestionamento. Assim também, o desenvolvimento das doutrinas é um processo perene, onde cada tema encontra momentos específicos de maior discussão na tradição cristã (p. 24).

O prefácio e o capítulo de introdução do livro destacam a fenomenologia da doutrina como um aspecto próprio da espiritualidade cristã, não sendo uma simples tarefa acadêmica. Essa relação entre culto e crença é desdobrada nos argumentos que demonstram a importância de se reconhecer o que são as doutrinas (p. 8), como elas se desenvolvem (p. 15) e se perpetuam na dinâmica da Igreja (p. 21). Em seguida, o autor pontua sua proposta metodológica utilizada na construção da obra e a necessidade de compreender o labor teológico como um ato de louvor a Deus (p. 25).

O segundo capítulo elucida a dinâmica entre a Igreja e o Antigo Israel, bem como a formação do cânon das Sagradas Escrituras em meio à tensão entre a Antiga e a Nova Aliança. Também são comentadas as problemáticas envolvendo Marcião e o relacionamento entre judeus e cristão na era da nova dispensação.

Em seguida, o autor direciona, no terceiro capítulo, a exposição para refletir acerca da concepção cristã a respeito do cosmos. O tema da criação é analisado ao longo do desenvolvimento da doutrina e suas influências filosóficas, tanto pelas ideias gnósticas como por ideias neoplatônicas. A seção se encerra com as relevâncias contemporâneas de compreender o criacionismo e o problema do mal no pensamento cristão histórico.

No quarto capítulo, a problemática a ser desenvolvida é o relacionamento da igreja com a cultura. Nesse sentido, são debatidos os valores da cultura e sua interferência na vida da igreja, bem como o processo de formação de uma cultura propriamente cristã. Em seguida, no quinto capítulo, são debatidos os aspectos do ser de Deus e as doutrinas essenciais para a fé cristã, tais como a Trindade. Neste capítulo são desenvolvidas as questões históricas que levaram a importantes concílios, tais como o de Niceia (325 d.C.), o de Constantinopla (381 d.C.) e as suas discussões posteriores.

O ser humano é o assunto trabalhado no sexto capítulo, explanando conceitos a respeito da alma humana e sua origem, dos elementos constituintes de uma antropologia bíblica e da questão da maldade inata do ser humano após a Queda. No sétimo capítulo, o tema é direcionado para a pessoa do Senhor Jesus, debatendo a compreensão os segmentos cristãos no que diz respeito à sua identidade humana e divina. Também é explanada a influência da cristologia na própria esfera de adoração de uma comunidade, bem como o desenvolvimento conciliar de doutrinas a respeito da natureza de Cristo, tais como a Fórmula de Calcedônia (451 d.C.).

A igreja e os sacramentos são assuntos dos oitavo e novo capítulos. Nesse sentido, são explanados os desenvolvimentos doutrinários a respeito da unidade e santidade da igreja, a igreja visível e invisível, bem como a centralidade do culto nas definições a respeito da comunidade da fé. Em seguida, são explanados o conceito, a eficácia e a administração dos sacramentos nas diversas perspectivas cristãs.

No décimo capítulo, o autor introduz a problemática do tema da salvação, discutindo a respeito da concepção dogmática de elementos como fé e obras na dinâmica soteriológica ao longo do processo de formação da doutrina. Em seguida, o décimo primeiro capítulo destaca a compreensão cristã acerca do papel da tradição na igreja. São refletidas as questões que dizem respeito à importância da tradição e o seu possível papel autoritativo no papel formativo da doutrina da igreja.

Por fim, o décimo segundo capítulo trata do “espírito de esperança”, como uma mescla das compreensões acerca do Espírito Santo e da escatologia. Tais aspectos são desenvolvidos como marca da esperança cristã para viver a piedade segundo a doutrina, enquanto a igreja espera a vinda do Senhor Jesus.

Por conta da sua proposta de ter uma abordagem breve e sucinta, a obra termina por deixar abertas diversas lacunas em algumas discussões, uma vez que só poderiam ser explanadas em materiais mais complexos. Além disso, há pouca delimitação das convicções confessionais do autor a respeito dos temas trabalhados, o que termina por gerar uma curiosidade a respeito de uma exposição argumentativa da opinião autoral. No entanto, essas questões não afetam o valor da obra, tendo em vista que ela cumpre aquilo que se propõe.

Dessa forma, Uma breve história das doutrinas cristãs se consolida como um recurso ímpar conferido à igreja contemporânea. Destaca-se a preocupação pastoral de Justo L. González em preparar uma obra acessível à igreja que abordasse temas centrais da história da doutrina. Apesar de ser reconhecidamente um autor prolífico e exaustivo no ramo da teologia histórica, González presenteia o povo de Deus com uma produção acessível e sucinta a respeito do que é mais essencial sobre a história do desenvolvimento das doutrinas.