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Teologia natural e ecofeminismo: como uma teologia natural cristã pode auxiliar a descortinar essa narrativa socioambiental

Artigo escrito por Lucia Medianeira Santos Post, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2023


Os recursos naturais dão ares diários de esgotamento. Nossos dias estão mais quentes, as chuvas mais assíduas, os meios de comunicação alertam repetidamente sobre cidades escaldantes, ciclones, furacões, florestas em chamas e os mais variados fenômenos meteorológicos. Neste cenário, é pressuposto que a pauta da crise climática apresenta contornos ambíguos; seus representantes são ávidos em elencar culpados, não estando completamente de todo equivocados. Contudo, muitos estão arrolados a argumentos interpretativos reducionistas. 

Diante disso, o presente trabalho ocupa-se em realizar uma reflexão a respeito dos problemas ambientais, explorando o que está por trás do ecofeminismo e como essa temática tem feito ruído na discussão das questões socioambientais. Com base no autor Alister E. McGrath e sua obra Teologia Natural (2019), espera-se construir uma proposta de pensamento onde se lança luz à escuridão que demarca os perímetros do ecofeminismo e desses motes ambientalistas e como somente uma teologia natural alicerçada em Cristo Jesus pode responder ao que está por detrás dessas narrativas socioambientais.  

Os contornos do ecofeminismo

As mudanças climáticas afetam a todos no planeta. No entanto, nas secções que abordam os problemas ambientais, se destaca um movimento recente, o ecofeminismo, que une feminismo e ecologia sob a premissa de que as mulheres e a natureza são objetos explorados pelos homens1. No que diz respeito à origem deste movimento, o que se percebe é que ele não deriva de um episódio isolado na história ou de um único nome a construir esse pensamento, mas acontece durante as décadas de 60 e 70 a partir de algumas lideranças femininas.

Neste flanco, mulheres começam a ganhar visibilidade nos campos de estudos dos movimentos feministas. Dentre esses nomes, um se destaca, a saber, Françoise d’Eaubonne (1920-2005) e sua obra Le Féminisme ou la Mort (1974), a quem se atribui a autoria da palavra ecofeminismo. A autora apontou para a existência de uma ligação entre a opressão das mulheres e a da natureza2

Para o ecofeminismo, as mulheres e a natureza são igualmente “vítimas” de dominação pelas elites capitalistas. As ecofeministas enxergam uma exploração de gênero, classe, raça e espécies animais e vegetais como parte do sistema capitalista e patriarcal. Nesta visão, o “patriarcado” é parte do capitalismo e contribui para seu crescimento – e esse crescimento destruiria a natureza e oprimiria as mulheres3.

Em 2017, o roteirista e cineasta Darren Aronofsky entrou nesta seara. Ambientalista confesso, entregou às telas de cinema o controverso filme Mãe!. A partir das analogias do diretor, o filme apresenta a personagem da atriz Jennifer Lawrence como a mãe natureza e o ator Javier Barden como um deus na figura de um roteirista, escritor. Na visão do diretor, esse deus roteirista é egoísta e está vivendo uma espécie de bloqueio criativo.

Mãe!, de Aronofsky, espelha o ecofeminismo de d’Eaubonne, pois o ponto de partida para a elaboração do roteiro foi o sentimento que Aronofsky tinha de “personificar” uma mãe natureza, vista como uma deusa mulher, aquela deixada às margens das decisões familiares, que deve sempre servir e não receber o mínimo de respeito em troca4.

Na convergência ecologia e feminismo, Vandana Shiva, física e filósofa indiana, é outro nome presente no movimento. A ecofeminista defende que a natureza e as mulheres necessitam de liberdade, deixando de serem controladas por outrem e estabelecendo uma interface, mulher e natureza. Nisto, a todo o resto é imperativo reconhecer a autonomia de ambas. Para Shiva, a criatividade e a produtividade da natureza e das mulheres são os fundamentos de todos os sistemas de conhecimento e de todas as economias. E diante dos seus pressupostos, as vertentes do ecofeminismo podem ser a resposta para os tantos cenários da crise ambiental mundial.

Diante disso, o ecofeminismo se revela à humanidade como uma mãe que, embora atualmente cansada, queimada, desmatada, pode muito bem se equilibrar se as mulheres forem as que estabelecem uma economia de cuidado e compartilhamento. Todavia, o paradigma dos problemas ambientais é um problema original, ou seja, a deterioração da natureza se fixa na queda da humanidade e estes cenários de crises ambientais e ativistas resolutos anseiam por uma teologia natural cristã para renovação da interpretação da natureza e das mulheres nesta realidade. 

Descortinando as narrativas socioambientais

Daren Aronofsky apostou em um filme polêmico e engajado com as questões ambientais. O diretor empregou as narrativas bíblicas para criar a sua história. Embora o cineasta americano acesse as sagradas Escrituras para o seu processo criativo, a sua perspectiva para isso não passou pelo drama da redenção em Cristo Jesus e a obra da cruz. 

Assim, para o nova-iorquino, a Palavra de Deus serve apenas como um apelo introdutório para as suas histórias, mas não apontam para algo transcendental. Nesse sentido, os cristãos compreendem uma perspectiva cristã, como o morrer para o seu velho ‘eu’ e ascender para um novo modo de vida por meio da graça divina (McGRATH, 2019, p. 71).  

Para ativistas como d’Eaubonne, Shiva e Aronofsky, a natureza está sendo explorada e saqueada por poderosos do capitalismo. No ponto de vista desses militantes, a natureza se configura como uma grande “casa” que recebe muitas visitas indesejadas e alguns desses visitantes estão operando no processo de deterioração dessa “casa”, quando sequer foram convidados para estarem ali.

Diante disso, compete a todos os desprovidos de uma genuína revelação a respeito da natureza compreenderem que, nesta busca de respostas para as discussões socioambientais, como o ecofeminismo, uma teologia natural cristã poderia ser entendida como o resultado da leitura da natureza à luz do Deus trinitário (McGRATH, 2019, p. 79). 

Para McGrath, embora o mundo natural seja aberto ao olhar público, sua correta interpretação está escondida. O “mistério do reino”, embora apresentado de forma acessível ao público, permanece obscuro para aqueles que não têm a capacidade de discerni-lo (McGRATH, 2019, p. 80). Nesse sentido, a problemática da discussão socioambiental perpassa por reconhecer a presença e a ação de Deus além da ordem natural: 

A natureza precisa ser observada através de “lentes de significância” que nos permitam ver o mundo natural como algo deteriorado e ambíguo — não como imoral, mas como um ente moralmente diversificado, cuja bondade muitas vezes está obscurecida, escondida e, às vezes, ofuscada por percepções mais sombrias e menos cômodas, porém, esclarecidas pela esperança de transformação (McGRATH, 2019, p. 291 e 292).

Inspirado pela tríade platônica, McGrath aponta que a teologia natural deve ser entendida como abrangendo a totalidade do envolvimento humano com o mundo natural e também a busca humana pela verdade, pela beleza e pela bondade (McGRATH, 2019, p. 29). Assim, por mais legítimos que sejam os embates e discussões sobre a pauta ambiental e a preocupação com o futuro da humanidade no planeta, a teologia natural faz mais do que tentar dar sentido intelectual à nossa experiência da natureza, como se ela fosse limitada ao aprimoramento de um relato racionalista da realidade. Ela permite uma apreciação aprofundada da natureza em nível criativo e estético (McGRATH, 2019, p. 28).

Nesse propósito, os aspectos que têm formatado todo esse arcabouço de narrativas como a de Mãe! e das questões do ecofeminismo são representações que ignoram por completo o conceito normativo das Escrituras para uma interpretação redentiva a tudo que o correspondente a natureza e a ordem natural. Assim, olhamos mais uma vez para o que nos diz McGrath:

A luz divina do logos nos permite “ver” a ordem criada de modo adequado, a fim de que as limitações humanas para identificar o divino sejam superadas. No entanto, Cristo, como o Verbo encarnado, faz mais do que iluminar e interpretar a ordem criada. Ele é aquele que ingressa nessa ordem, transformando, assim, a capacidade dela de apontar para Deus. E mais: o próprio Cristo revela em uma pessoa humana a natureza e a glória do Deus até então invisível. Portanto, a revelação da glória de Deus ocorre pela natureza, e não como algo acima dela. O Verbo de Deus encarnado torna Deus conhecido aos seres humanos na ordem natural e por meio dela. (McGRATH, 2019, p. 173).

Portanto, um entendimento redimido sobre as questões socioambientais decorre de uma doutrina cristã que aponta para um mundo ordenado por um Criador supremo e que Nele podemos encontrar um olhar ressignificado e uma interpretação específica da natureza e isso tudo encontra sua práxis no âmbito de nossa fé. Todavia, não nos esqueçamos, o processo de restauração, porém, está em curso, não completo. A natureza não é perfeita, mas está em processo de transformação — uma transformação que pode ser discernida pelos olhos da fé (McGRATH, 2019, p. 294).

Considerações finais

Diante disso, compreende-se que o discurso que aborda as questões socioambientais é legítimo. O planeta sofre quando o homem, antes comissionado a existir como um jardineiro fiel, atua como um rebelde e feroz predador dos recursos que Deus colocou no mundo. Os seres humanos necessitam olhar para o Senhor Jesus e encontrar Nele a pessoa que restaura a amizade com o Criador. Encontrando o Criador Eterno, os seres humanos têm suas afeiçoes reordenadas e restauradas para finalmente atuarem no jardim de Deus diante de todas as realidades criadas por este Eterno Deus.

Nisto, todo militante das questões socioambientais carece reconhecer esse Deus Eterno, Soberano e Criador, para tão somente, a partir deste encontro, poder promover um discurso redentivo que promova e aponte para uma Esperança Maior e vindoura. Entretanto, uma esperança que já ilumina vislumbres para algumas respostas a estes dias, promove, assim, florescimento e dignidade aos seres criados por Deus e pertencentes a este planeta. Nunca será o ecofeminismo ou uma economia de compartilhamento administrada por mulheres; antes, para sempre será o Senhor Jesus.


1 No ecossistema do ecofeminismo, os homens não têm vez. Gazeta do Povo.  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/o-que-e-ecofeminismo/?ref=busca > Acesso em: 01 de dez de 2023.

2 KUHNEN, Tânia A. ROSENDO, Daniela. Ecofeminismos. Mulheres na Filosofia. Unicamp. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/ecofeminismos/>. Acesso em: 01 de dez de 2023.

3 No ecossistema do ecofeminismo, os homens não têm vez. Gazeta do Povo.  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/o-que-e-ecofeminismo/?ref=busca > Acesso em: 01 de dez de 2023.

4 JACOB, Paula. ‘Mãe!’, de Darren Aronofsky, e a urgência de falar sobre o meio ambiente. Casa Vogue. Disponível em: < https://casavogue.globo.com/LazerCultura/noticia/2017/09/mae-de-darren-aronofsky-e-urgencia-de-falar-sobre-o-meio-ambiente.html >. Acesso em: 01 de dez de 2023.

5 SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Artigo de Vandana Shiva. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: < https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602416-ecofeminismo-artigo-de-vandana-shiva> . Acesso em: 01 de dez de 2023.


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Referências Bibliográficas 

GAZETA DO POVO. No ecossistema do ecofeminismo, os homens não têm vez. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/o-que-e-ecofeminismo/?ref=busca > Acesso em: 01 de dez de 2023.

JACOB, Paula. ‘Mãe!’, de Darren Aronofsky, e a urgência de falar sobre o meio ambiente. Casa Vogue. Disponível em: < https://casavogue.globo.com/LazerCultura/noticia/2017/09/mae-de-darren-aronofsky-e-urgencia-de-falar-sobre-o-meio-ambiente.html >. Acesso em: 01 de dez de 2023.

KUHNEN, Tânia A. ROSENDO, Daniela. Ecofeminismos. Mulheres na Filosofia. Unicamp. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/ecofeminismos/>. Acesso em: 01 de dez de 2023.

McGRATH, Alister E. Teologia Natural: uma nova abordagem. Tradução: Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2019. 368 p.

SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Artigo de Vandana Shiva. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em:  < https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602416-ecofeminismo-artigo-de-vandana-shiva> . Acesso em: 01 de dez de 2023.