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Trindade: afirmando o Deus trino do pacto

Escrito por Lucas Macedo da Silva, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023


Introdução

O conceito da Trindade é o mais sofisticado e difícil do cristianismo. Ele é motivo de diversas discussões e, quando distorcido ou negado, se torna um grande criador de heresias. O Deus triúno é exclusivamente cristão, sendo, portanto, um tema caro à cristandade. A compreensão trinitária de Deus nasce muito cedo no cristianismo. Ela é o ponto vital no Credo dos Apóstolos — um dos documentos cristãos não canônicos mais antigos e aceito por católicos, ortodoxos e protestantes. Como explica Franklin Ferreira: “o Credo oferece aquele núcleo da verdade cristã que determina e baliza se uma determinada igreja é cristã ou​​ não” (FERREIRA, 2015, p. 21). Segundo Herman Bavinck:

O Ser eterno se revela em sua existência trina de forma ainda mais rica e fundamental do que em seus atributos. É nessa santíssima Trindade que cada atributo do seu ser vem à tona, por assim dizer, alcança seu conteúdo mais completo e assume seu significado mais profundo. É apenas quando contemplamos essa Trindade que conhecemos quem e o que Deus é; além disso, só assim saberemos quem e o que Deus é para a humanidade perdida, e entenderemos isso apenas quando conhecermos e o confessarmos como o Deus Trino do pacto — como Pai, Filho e Espírito Santo (BAVINCK, 2021, p. 191).

Portanto, insistir na Trindade não é uma tecnicidade do cristianismo. Sem ela, a revelação se torna incompleta. Só podemos conhecer a Deus verdadeiramente quando o confessamos como Deus Trino do pacto. Entretanto, esse conhecimento não é apenas de cunho abstrato ou teórico. Como argumenta Michael Reeves:

Todavia, conhecer melhor a Deus contribui na realidade para mudanças mais profundas e práticas também. Conhecer o amor de Deus é precisamente o que nos faz amar. Sentir a desejabilidade de Deus altera nossas preferências e inclinações, o que dirige nosso comportamento: começamos a desejar Deus mais que qualquer outra coisa. […] A natureza trina desse Deus afeta tudo — do modo que ouvimos música a como oramos: ela contribui para casamentos mais felizes, para tratarmos os outros com mais afeto, para a vida melhor na igreja; ela dá segurança aos cristãos, molda a santidade e transforma a própria maneira que enxergamos o mundo ao nosso redor. Sem exagero: o conhecimento desse Deus muda o rumo da vida (REEVES, 2018, p. 14).

Isto posto, o presente artigo pretende defender o conceito da Trindade, não como um conceito abstrato, mas, sim, como o centro da compreensão da autorrevelação de Deus e de seus atributos.

Deus, o Pai

Em Deleitando-se na Trindade (2018), Michael Reeves nos direciona a ver a paternidade de Deus como a característica central da Primeira Pessoa da Trindade, ou seja, todos os seus atributos se expandem e se aprofundam pela ótica de Deus como eternamente Pai:

O Filho é a imagem de Deus, manifestando com perfeição como é seu Pai: “Ele é o resplendor da sua glória e a representação exata do seu ser” (Hb 1.3; v. tb. 2Co 4.4). E, assim, quando vem com glória, “ilumina” e “irradia” de seu Pai, Ele nos mostra que o Pai é essencialmente expansivo. Não surpreende que um Deus assim crie. E o fato de sermos então criados à imagem de Deus e destinados à semelhança de Cristo, a Imagem, é apenas a continuação desse movimento expansivo de amor. O Deus que ama ter uma Imagem expansiva de si no Filho ama ter muitas imagens desse amor (que são, elas próprias, expansivas) (REEVES, 2018, p. 51).

Em As maravilhas de Deus (2021), Bavinck corrobora esta afirmação e argumenta que a relação entre o Pai e o Filho “existe desde a eternidade” e “em um sentido bastante único, Ele é o Pai do Filho, e essa é sua característica original, especial e pessoal” (BAVINCK, 2021, p. 201). Todos os seus atributos são completos a partir da sua paternidade. Nesse sentido, não podemos resumir Deus a apenas como o Criador, por exemplo, pois, neste caso, Ele dependeria de sua criação para ser completo. Contudo, como Pai, Ele cria por graça e por abundância de amor. 

Por esse prisma, os conceitos de adoção e redenção ganham um novo significado. Afinal, o Pai entrega não um ser criado, mas, aquele que Ele amou desde a eternidade para que fôssemos adotados e novamente fizéssemos parte desta relação. Deus entrega o seu próprio Filho, o eternamente gerado, e com isso, somos transformamos à imagem de Cristo. Este é o caráter de Deus. O Deus trinitário da Aliança não é um Deus distante, mas está ativo no resgate de sua criação.

Jesus, o Filho

Jesus, como Filho unigênito do Pai, representa a perfeita imagem e semelhança de Deus de uma maneira que nem Adão possuía. Por isso, Ele é o mediador perfeito entre o Pai e a humanidade. Nesse sentido, tanto Israel quanto os personagens bíblicos criam tipos e antítipos de Cristo, pois a própria criação tem um telos cristológico. Cristo é tanto o mediador quanto o sacrifício perfeito para o resgate da humanidade. Mais uma vez, Reeves nos ajuda a entender:

Tudo isso é exatamente o que Jesus faz em João 17: Ele chega diante de Deus, seu Pai, com incenso de suas orações (como aroma agradável diante do Senhor, o incenso simboliza a oração; v. Sl 141.2; Ap 5.8). E Ele o faz com o povo de Deus no coração: “E rogo não somente por estes [os apóstolos], mas também por aqueles que virão a crer em mim pela palavra deles” (Jo 17.20). Em outras palavras, como o sumo sacerdote de Israel simbolicamente trazia o povo de Deus perante o Senhor no peitoral sobre o coração, Cristo nos traz, nele, diante do Pai. Deus Filho veio do Pai, tornou-se um de nós, morreu nossa morte — e tudo para levar-nos de volta para diante de seu Pai, como as joias no coração do sumo sacerdote (REEVES, 2018, p. 84).

Como nos explica Bavinck: “mediação, reconciliação, graça e redenção são do Filho” (BAVINCK, 2021, p. 205). Por isso, heresias que buscam colocar Jesus apenas como homem ou apenas como Deus destroem a grandeza da ação trinitária da salvação. O apóstolo Paulo deixa isso muito claro em sua epístola aos Filipenses no capítulo 2, onde ele argumenta que Cristo, sendo Deus, se esvazia de si, vem a ser servo, se torna semelhante aos homens e obedece ao Pai até o fim. Só assim é possível que o autor de Hebreus possa dizer que temos um sumo sacerdote que pode se compadecer de nós, pois, assim como nós, passou por todo tipo de tentação, mas, diferente de nós, Ele não pecou. A filiação eterna de Cristo também é vista em seu sofrimento na crucificação quando expressa o Salmo 22. Este é o momento onde a relação de amor mútuo eterno entre Pai e Filho tem seu ponto mais baixo, no momento onde Cristo levou sobre si os pecados dos homens.

Espírito Santo

Apesar do nome Espírito Santo soar mais como uma força impessoal, isso está longe de ser verdade. Como nos explica Bavinck, Jesus se refere a Ele no masculino, sendo que no grego o pronome usado para Espírito é neutro. Cristo o chama de Consolador, nome que também é usado se referindo ao próprio Cristo. Várias características pessoais são atreladas a Ele, como: investigar, ouvir, falar, ensinar, orar etc. O autor holandês termina afirmando que “isso é expresso de forma mais clara e sublime no fato de que ele é colocado no mesmo nível do Pai e do Filho (Mateus 28:19; 2 Coríntios 13:14)”.

Reeves usa o Credo Niceno segundo o qual o Espírito Santo é Senhor e Vivificador, ou seja, Ele produz vida na criação. Isso é muito importante quando lidamos com a redenção, pois se antes estávamos mortos por causa do pecado, hoje temos o Espírito que nos dá vida. Essa vida que Ele nos dá não é uma vida qualquer, ela transforma a humanidade na imagem de Cristo. Ele, como escreve Paulo, frutifica em nós amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Por isso, Bavinck mostra que a “regeneração, renovação, santificação e redenção são do Espírito” (BAVINCK, 2021, p. 205). 

Conclusão

A Trindade é o coração do cristianismo, sua essência. Portanto, interpretá-la mal, ou negá-la, não é apenas um erro teológico, é não compreender a verdadeira natureza eterna do Senhor, o Deus Trino do pacto. Essa falta de compreensão pode, no “melhor dos casos”, nos fazer perder de vista a profundidade de quem é esse Deus, uno e trino, e, no pior dos casos, cria heresias e seitas. Reeves acerta quando diz que “tudo muda quando se trata de Pai, Filho e Espírito. Aqui está o Deus que não é essencialmente solitário, e que ama por toda a eternidade — o Pai ama o Filho no Espírito. Amar outros não é algo novo ou estranho para esse Deus; está na raiz de sua identidade” (REEVES, 2018, p. 49). Como Bavinck afirma: “Assim, a confissão da Trindade é o todo da religião cristã, e, sem ela, nem a criação, nem a redenção, nem a santificação podem ser mantidas incólumes” (BAVINCK, 2021, p. 211).


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Referências bibliográficas

BAVINCK, Herman. As maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Tradução David Brum Soares. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. 736 p.

FERREIRA, Franklin. O credo dos apóstolos: as doutrinas centrais da fé cristã. São José dos Campos: Fiel, 2015. 280 p.

REEVES, Michael. Deleitando-se na Trindade: uma introdução à fé cristã. Tradução Josaías Cardoso Júnior. Brasília: Monergismo, 2018. 146 p.