Escrito por Daniel Ponick Botke, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2020
O cristão precisa se preocupar e se ocupar com a estética? Precisa se preocupar com o que é ou não belo? Precisa se preocupar em fazer com que suas obras sejam belas, ou basta que estas sejam eticamente corretas? Basta que estas sejam teologicamente aprovadas? Hans Rookmaaker em seu livro Filosofia e Estética nos mostra que a estética deve fazer parte das preocupações cristãs, e não somente isso, nos mostra que podemos de alguma forma ensinar e aprender aquilo que é bom através do que é belo. Isto é o que procuraremos demonstrar neste artigo. (1)
1. A BOA CRIAÇÃO SEGUNDO DEUS
Já lemos tantas vezes o texto do primeiro capítulo do livro de Gênesis que provavelmente deixamos passar os detalhes quando o lemos novamente. “E viu Deus que era bom” foi um destes detalhes que tinha me passado despercebido até pouco tempo atrás. Esta frase que se repete 5 vezes no primeiro capítulo da Bíblia (vs. 10, 12, 18, 21, 25) nos mostra Deus se agradando de sua própria obra; a obra de suas mãos era boa. Mas não termina por aí. Ao olharmos esta frase mais de perto vemos que a ação de Deus para que pudesse declarar a sua criação como boa foi “ver”. Esta palavra no seu sentido original significa exatamente isso, ver, olhar, inspecionar. De fato, não podemos dizer e afirmar simplesmente que trata-se apenas de um olhar visual de Deus por sobre sua criação. Não podemos negar que quando falamos que Deus vê todas as coisas estamos dizendo muito além daquilo que se vê com os olhos humanos, mas ao mesmo tempo não podemos negar que há nesta expressão, também, um sentido visual e estético. Há em algum sentido o entendimento de que Deus visualmente observou a sua criação e viu que era boa. Ou seja, para ela passar no crivo do Deus todo poderoso, criador de todas as coisas, o próprio Deus olhou para a sua obra, viu que esta estava bem construída, com os seus detalhes necessários, no local e na forma adequada e então declarou que esta era boa. (2) (3)
E não apenas isso, mas vemos que quem toma esta atitude é Deus. Quem olha para a criação, e quem a declara como boa não é uma de suas criaturas, não foi nenhum animal, nem mesmo o homem, mas o próprio Deus. Deus, o criador, este constatou e afirmou que sua criação era boa. Assim sendo concluímos que há apenas um que pode declarar o que é bom e o que não é, e este é Deus, e ele o faz levando em conta aquilo que Ele vê. Deus observa os traços, as cores, os sons, os cheiros, o lugar de cada ser, a textura de cada criação, a harmonia de sua natureza criada, se alegra e declara: “isto é bom”.
2. O BELO E BOM SEGUNDO AS PAIXÕES DESTE MUNDO
Mas como é de conhecimento de todo aquele que já leu as Sagradas Escrituras, o homem caiu em pecado e com isso arruinou a si mesmo e toda a criação. A obra final da criação de Deus, o ser criado à sua imagem e semelhança não se contentou com aquilo que Deus declarou como bom, não se deleitou e se contentou em gozar de Deus, de sua presença e de toda a BOA criação de Deus. Antes, buscou algo que julgou ser melhor, melhor do que aquilo que Deus julgou ser BOM, o fruto que era desejável aos olhos, o conhecimento do bem e do mal.
Daí em diante, o homem, manchado pelo pecado, tornou-se inimigo de Deus. Agora o homem não mais busca o bom naquele que é a fonte de todo o bem. O homem se tornou cada vez mais rebelde com o seu Criador, não o reconhece como Deus, não pode concordar que Ele é o legislador de toda a criação, muito menos busca cumprir suas ordenanças. Seu coração tornou-se rebelde, não há um que busque a Deus, não há um sequer.
Mas uma coisa não mudou no homem: sua necessidade de um deus. O homem continua ansiando e buscando por um senhor para sua alma, uma verdade que lhe possa dizer qual o sentido de todas as coisas, uma verdade que lhe explique a origem e o propósito de tudo. Tendo, porém o homem negado a existência de um Deus transcendental, resta ao homem o aqui e agora, a realidade criada. Assim este toma para si uma parte desta realidade criada, a separa de todo o resto e a deifica, se prostra aos seus pés e a idolatra.
Avançando rapidamente na história até os dias de hoje, vemos esta idolatria do homem centrada em si mesmo. Uma vez que se crê no dogma da autonomia da razão, o qual diz que o homem é capaz de chegar a verdade por si mesmo, por sua própria razão, que este pode por meio de pensamento autônomo, sem influência de qualquer norma, guiado apenas por si mesmo, chegar ao conhecimento da origem e do propósito de todas as coisas, o homem coloca a si mesmo no trono de seu próprio coração. O super-homem, o homem livre de toda e qualquer religião, maduro em seu intelecto, pode agora dizer a si mesmo o que é a verdade, o que é BOM.
Um dos problemas que encontramos neste cenário é o relativismo, o qual é muito fácil de se perceber. Se cada ser-humano é capaz de por si mesmo chegar à verdade e ao pleno conhecimento de todas as coisas, o que se espera (e de fato se esperava) era que todos ao fim chegassem ao mesmo entendimento, às mesmas conclusões. Mas é visível e patente à luz do dia que não é isso que tem acontecido, cada um tem uma verdade para chamar de sua, cada um sabe “aquilo que é bom para si”, “aquilo que é verdade para si”. O que é a verdade, portanto? Ora, a verdade é relativa, depende do ponto de vista, depende para quem, ou seja, a verdade de fato não mais existe, pois uma verdade que constantemente muda não é uma verdade, é apenas uma opinião.
Com isso não apenas o bom tornou-se relativo, mas também o belo. O que é belo? Depende da opinião de cada um. Para uns uma pintura pode ser bela, para outros um mictório pendurado na parede é belo e se torna arte, uma apresentação de corpos nus sendo tocados por criança é arte. Quais os atributos estão sendo julgados para concluir esta afirmação? Simples, a opinião própria, e quem poderá dizer que não é belo, que não é arte se para o artista e para os seus espectadores o é? A opinião própria tornou-se a regra e a justificativa para tornar a sexualidade e a vulgaridade expressões de personalidade, para tornar o antinormativo como nova norma.
E qual tem sido a contraproposta da igreja de Cristo? Infelizmente, na maioria dos casos, a resposta tem sido a velha dicotomia e separação do mundo, a criação de uma subcultura cristã, um gueto gospel que fecha os olhos para toda expressão dita bela fora de suas fronteiras, e ao mesmo tempo não apresenta nada que possa ser apreciado como belo para fora. Todas as pontes são quebradas para se garantir segurança em sua bela torre de areia.
3. O ESTÉTICO NO DRAMA DAS ESCRITURAS
Mas seria esta a atitude esperada dos filhos de Deus, dos pequenos cristos deste mundo? Creio que não. Como já mencionamos no início de nossa discussão, vemos que Deus leva em consideração o que é belo para afirmar o que é bom. Vemos isso não apenas em Gênesis um, na criação de todas as coisas, vemos também, por exemplo, no Tabernáculo arquitetado e projetado pelo próprio Deus. Minuciosamente coordenado, em cada detalhe, para que este fosse construído conforme o desejo e o agrado de Deus. Para que ali ele fosse adorado e glorificado, para que ali ele manifestasse sua presença e sua glória, para que por meio de cada detalhe o povo de Deus fosse ensinado quem é o seu Deus, quem é o seu Senhor.
E assim vemos o aspecto estético sendo reforçado e destacado por toda a narrativa do drama da salvação de Deus. A beleza do Templo, a beleza de Israel, o povo de Deus, hora sendo exaltado como uma bela mulher, hora sendo tendo a feiura do seu pecado relembrada e destacada. Vemos a Igreja ser chamada de noiva de Cristo, bem adornada e preparada para seu noivo. Noivo este que no clímax do drama da redenção mostra toda a feiura do pecado através de suas feridas e de sua morte; o mal se revela feio.
4. O BELO SEGUNDO DEUS
Qual é, portanto, nosso entendimento frente a todas estas afirmações? O belo também é o bom? Não necessariamente. De acordo com Rookmaaker podemos observar e ver beleza na arte e na vida apóstata, mas isso não quer dizer que ela seja boa. Ela pode ser esteticamente bonita, porém ser eticamente condenável. Não podemos, no entanto, por este motivo descartar que o belo possa nos ensinar o que é bom, mas temos de entender o que é o belo segundo Deus. Comentando sobre isso Rookmaaker diz o seguinte:
A beleza sempre existirá onde há verdade, amor, vida e realidade, ao passo que pecado, mentira, ódio e morte (em seu sentido mais profundo), sendo realidades negativas, são feias e levam à feiura. Neste sentido, pode-se chamar de belo um casamento, um grupo de pessoas em seu relacionamento comunitário, uma ação ou atitude, quando mostram amor, unidade, liberdade e assim por diante. Em certo aspecto, pode-se chamar a isto de “beleza interior” (cf. 1Pe 3.3), mas também expressar-se-á na “beleza exterior”, a beleza visível, perceptível. Neste ponto, pode-se começar a falar sobre arte e beleza produzidas pelo homem. (1)
Ou seja, o bom pode se apresentar a nós por meio daquilo que é belo segundo Deus. Ao olharmos para um casamento onde há verdade, amor, vida e realidade, vemos nisto algo belo, e vemos também algo bom. Ao vermos uma família onde há verdade, amor, vida e realidade, vemos nisto algo belo, e vemos também algo bom. Ao vermos uma arte, uma arquitetura, uma administração, uma roupa, uma poesia, um texto, uma música onde há verdade, amor, vida e realidade, vemos nisto algo belo, e vemos também algo bom.
Por fim, o que queremos dizer com tudo isso é que devemos, como cristãos, nos preocupar com o belo. Deus declarou que era bom aquilo que é belo, o belo pode nos ensinar o que é bom, portanto, devemos produzir belas obras, e viver de forma bela para a Glória de Deus. Devemos nos utilizar do belo em nossa liturgia dominical para ensinar o bom evangelho de Cristo. Devemos perceber a beleza de vivermos nosso matrimônio de acordo com as ordenanças e a vontade de Deus. Devemos ver a graça e a Glória de Deus na beleza da sua criação, na beleza da geração de uma criança, nos seus primeiros passos. Devemos ver a graça e a Glória de Deus na beleza de uma arte que o glorifique, em uma música que, mesmo que não seja sobre temas bíblicos, glorifique a Deus por meio de sua beleza. Em uma manhã de sol, em uma noite chuvosa. Uma vida litúrgica perante Deus e perante os homens. Só assim daremos Glórias a Deus por meio do belo, e só assim voltaremos a criar pontes para fora “das quatro paredes” das nossas igrejas.
5 CONCLUSÃO
No séc. XVIII foi distinguida a arte comum feita e realizada por pessoas não treinadas e com materiais não específicos para tal das obras de arte desenvolvidas por artistas bem treinados, que habilmente trabalhavam os materiais adequados da forma adequada para produzir suas obras. Estas foram chamadas de belas artes, enquanto a primeira simplesmente de arte. Meu desejo com este texto é que busquemos da mesma forma viver “belas vidas piedosas”. Que habilmente possamos “manusear” tudo aquilo que Deus tem colocado às nossas mãos, produzindo belas vidas para a Glória de Deus, e para revelar o bom, que é Deus.
Que Deus nos ajude, amém.
BIBLIOGRAFIA
(1) ROOKMAAKER, Hans R. Filosofia e estética. Trad. William Campos da Cruz. Brasília : Monergismo, 2018.
(2) Bíblia. Século 21. São Paulo : Vida Nova, 2013.
(3) Blue Letter Bible. [Online] [Citado em: 01 de 11 de 2020.] https://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?Strongs=H7200&t=KJV.
1 comment
Elias Soares Alves
a paz de cristo !
na verdade não são 5 vezes, e sim 6
começa no verso 4,
mais em nome de jesus isso é só uma curiosidade biblica