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Método trinitário neocalvinista de apologética: uma introdução simplificada

Escrito por Mayumi Adati, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2021


Introdução

Este artigo é um esforço didático para realizar uma introdução ao método trinitário neocalvinista e, consequentemente, reconhecer sua importância, em termos simples e didáticos. Surgiu da própria necessidade da autora em entender o tema e sentir a necessidade de um material introdutório e simplificado. Procurou-se esquematizar os temas que precedem o assunto, como o que é Trindade ou apologética, para, então, fazer uma breve introdução da questão de fundo, oferecendo, também, alguns argumentos práticos para a aplicação do método trinitário na apologética.

O que é apologética?

Segundo o dicionário do Google, apologética, no conceito teológico, é a defesa argumentativa de que a fé pode ser comprovada pela razão. Por extensão, pode ser considerada a defesa persistente de alguma doutrina, teoria ou ideia. Apologética, portanto, é a disciplina que se ocupa em defender a fé cristã. Nas universidades ou centros de estudo, é comum vê-la em prática em algum debate, por exemplo. Há filósofos e acadêmicos que fazem de sua ocupação integral o estudo da defesa da fé e, de modo geral, a apologética está presente na vida de todo cristão.

Sendo chamados para saber dar respostas sobre a nossa fé1, o estudo da apologética sempre se mostrou presente em fases da história quando a igreja enfrentava algum movimento científico-filosófico contrário às suas crenças e princípios, dentro ou fora da igreja.

O que é a Trindade?

A palavra trindade vem do latim, trinitas e significa tríade. É curioso notar que a palavra trindade não aparece na Bíblia, mas é usada para descrever o mistério dos agentes de Deus. J. I. Packer sugere que não é nossa missão explicar a Trindade2, mas, assim como a Bíblia, que apresenta as três Pessoas de Deus no Novo Testamento, devemos descrevê-la e vivê-la.

A concepção de Trindade engloba três Pessoas ou três entidades que são um só Deus: Deus-Pai, o Criador; Deus-Filho, o Salvador; e Deus-Espírito Santo, o Consolador. Deus, portanto, é três em um e um em três. Existem muitas metáforas para nos ajudar a compreender a Trindade. Contudo, tomando a Bíblia como nossa principal ferramenta de estudo e conhecimento, a melhor forma de abstrair esse conceito é entendendo que Deus é o Criador de todas coisas. Ele também é o Salvador e Redentor da humanidade e Ele é aquele Espírito Consolador que vai ao socorro dos seus filhos, nos auxiliando em completar nossa missão de servos de Cristo aqui na Terra.

A Trindade é importante para a apologética porque é o conhecimento sobre Deus que deve pautar nossas escolhas, atitudes e o conhecimento sobre nós mesmos. Conhecer a Deus e saber da complexidade de seu ser, o que a Bíblia revela sobre Deus e como Ele revela a si mesmo pela criação, pela história de Jesus e pela história do homem, nos ajuda a domar os desejos do nosso coração e direcioná-los para sermos os mordomos e testemunhas conforme o plano de Deus.

Quais as problemáticas que envolve a apologética?

Como toda disciplina, a apologética passou por momentos de amadurecimento e transformações. É natural e pragmático que muitos argumentos em favor da fé venham de evidência daquilo que conseguimos ver: a criação e a existência humana. Cornelius Van Til, filósofo holandês, vendo a tendência evidencialista e existencialista de sua época, que se contentava com as evidências encontradas na natureza, história e consciência humana, entendeu que era preciso criar uma apologética reformada. Contudo, defendia que não poderiam existir pontos de contato entre outras ciências e teologia, devendo qualquer tentativa de defender a fé ter um ponto de partida exclusivamente cristão.

O problema dessa abordagem é que ela minimiza a graça comum sobre todos os homens e a própria soberania de Deus em usar até uma pedra ou um jumento para cumprir seus propósitos3. J. V. Fesko por sua vez, propôs reafirmar a apologética baseada na teologia natural, que busca provar a existência de Deus por argumentos puramente filosóficos, sem qualquer recurso experimental ou mera consciência humana. 

O ponto de atrito aqui surge ao limitarmos o papel apologético à filosofia. Como toda a ciência, a filosofia é pensada por homens que partem de pressupostos e crenças que podem comprometer suas constatações4. Outros filósofos, como Kuyper e Dooyeweerd, já construíram suas teologias majoritariamente com base na graça comum e, a partir dela, suas noções apologéticas.

Logo, a problemática central da apologética é quando esta se baseia de forma desequilibrada ou exagerada em apenas um área do conhecimento ou quando desconsidera a ação da graça comum como um todo. Parafraseando Lutero, se 99% é verdade, mas 1% for mentira, então 100% é mentira; devemos ser fiéis à interpretação das Escrituras e tomá-las como base e filtro para toda doutrina ou filosofia.

Qual a solução possível?

Considerando que a vida humana é essencialmente religiosa e que a relação do ego humano com Deus é onde conseguimos transcender o nosso próprio pensamento humano, onde encontramos a verdadeira realidade e significado para a vida humana, a apologética busca na Trindade as respostas e direcionamentos para a defesa da fé.

Guilherme Braun Jr., em seu livro Um método trinitário neocalvinista de apologética, revisitando as discussões entre as argumentações evidencialistas e reformadas da apologética, dialoga com novas tradições do Catolicismo e do Anglicanismo para mostrar um novo caminho para a apologética, a partir do método trinitário calvinista. Braun demonstra que, para usar o discurso apologético ou evangelístico, ao invés de apontar para pontos externos, como as evidências naturais, podemos apelar para o senso de divindade do próprio homem, encontrando na figura da Trindade várias facetas que suportam a fé no Deus trino.

Além disso, o autor nos chama a atenção para o timing das argumentações apologéticas: “Para ser verdadeiramente enfático o discurso, o apologista deve considerar os aspectos do timing, ao escolher com perspicácia o tempo e a abordagem correta entre as várias possibilidades”5. Ainda, exemplifica que a individualidade, a relacionalidade e o tempo são fatores que devem ser considerados de forma dinâmica por aquele que pretende dar uma resposta a algum questionamento ou fato que vá de encontro com a sua fé.

Quais aspectos da Trindade podemos levar para a apologética de modo prático?

Primeiramente, precisamos entender que não somos donos da obra divina. Somos chamados para sermos bons mordomos e testemunhas. Somos servos que pertencem a um Senhor que é o grande arquiteto, soberano sobre todas as coisas. Logo, é nosso trabalho convencer as pessoas sobre Cristo; nosso trabalho é servir como instrumento nas mãos daquele que tem o poder de convencimento e influência sobre o coração humano.

Num segundo momento, é preciso considerar que o Evangelho promove a restauração dos caminhos do coração humano: não é meramente um trabalho de convencimento, mas de endireitar os caminhos do coração, destronando outros deuses e colocando o único Deus no seu devido lugar.  E o meio como a apologética tenta alcançar o coração humano é pelo conhecimento de Deus, que provoca em nós reações à forma como se revela e demonstra graça e misericórdia. 

Partindo para os aspectos trinitários que servem à apologética:

  • Organicidade. A Trindade é o exemplo de como Deus criou um sistema diverso e ao mesmo tempo único. Há diversidade no ser do próprio Deus, sendo Ele trino e um só Deus ao mesmo tempo. Isso nos indica que não somente a natureza, mas a vida humana é um organismo complexo, com muitas nuances e fatos que desconhecemos e por isso não podemos tentar reduzir o significado de Deus ou de sua obra.
  • A Trindade revela Deus, quem Ele é e o que Ele faz. Ele é o Pai que enviou seu único Filho para morrer por amor à humanidade. Após seu sacrifício, Ele enviou seu Espírito Santo para que estivesse com sua criação até o fim dos tempos. Ele é o grande arquiteto, que não só planeja, mas executa todas as coisas para o engrandecimento do seu nome.
  • Prova de que Deus se revela e dá testemunho de si mesmo. Enviando seu único Filho para morrer pelos pecados da humanidade, Deus próprio se fez carne e habitou entre os homens.
  • Exemplo de serviço: o Filho que, em obediência ao Pai, entrega-se para cumprir seu propósito.
  • Um convite à reação: assim como Jesus reagiu em obediência ao Pai, confiando em sua soberania e autoridade, assim também somos chamados para agir em reação à ação de Deus.
  • Esvaziamento do Filho; Filipenses 2.6-8 nos diz: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz”.

Conclusão

Entender o que é a apologética do ponto de vista trinitário pode redimir a forma com que a praticamos. Sendo chamados para sermos servos e testemunhas fiéis, devemos estar prontos para responder sobre a nossa fé em todo o tempo, considerando nosso papel, a individualidade e espaço de cada indivíduo e deixando para o Espírito Santo de Deus o papel que cabe somente a Ele. Nesse sentido, o método trinitário neocalvinista de apologética é uma ferramenta que nos ajuda a cumprir nossa missão enquanto discípulos e pode também conformar os caminhos do nosso coração, nos fortalecendo através do conhecimento de Deus.


1 “Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15).

2 “O Antigo Testamento insiste constantemente em que há somente um Deus, o autorrevelado Criador, que deve ser adorado e amado com exclusividade (Dt 6.4,5; Is 44.6-45.25). O Novo Testamento confirma essa afirmação (Mc 12.29-30; 1Co 8.4; Ef 4.6; 1Tm 2.5), porém fala de três agentes pessoais, Pai, Filho e Espírito Santo, que operam juntos em forma de equipe para efetivar a salvação (Rm 8; Ef 1.3-14; 2Ts 2.13,14; 1Pe 1.2). A formulação histórica da Trindade (derivada da palavra trinitas) procura circunscrever e salvaguardar esse mistério (não explaná-lo, pois ele está além de nossa compreensão), e nos confrontar com aquilo que talvez seja a mais difícil noção que a mente humana já teve de assimilar”. PACKER, J. I. Teologia concisa. Traduzido por Rubens Castilho. São Paulo: Cultura Cristã. 2014, p. 45.

3 “Ao que ele respondeu: Digo-vos que, se estes se calarem, as pedras clamarão”. Lucas 19.40. “Então o Senhor abriu a boca da jumenta, a qual disse a Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes?” (Números 22:28).

4 Ler mais sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico no livro No crepúsculo do pensamento ocidental, de Herman Dooyeweerd. 

5 Localização 2165 na versão Kindle do livro Um método trinitário neocalvinista de apologética, Guilherme Braun Jr (2019).


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Referências bibliográficas

PACKER, J. I. Teologia concisa. Traduzido por Rubens Castilho. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 224 p.

BRAUN Jr., Guilherme. Um método trinitário neocalvinista de apologética: Reconciliando a apologética de Van Til com a filosofia reformacional. Academia Monergista. 2019. Kindle 216 p.