Escrito por Olívia Ferraz Pereira Marinho, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2021
No livro Louvor, obra teológica que trata acerca do culto público em diferentes contextos denominacionais, ao abordar o culto reformado, Timothy Keller apresenta que há uma atual relevância calvinista para moldar o culto coletivo que aponta a importância tanto da glorificação a Deus quanto da edificação daqueles que estão presentes no culto (CARSON, et al. 2017, posição 4582).
No culto público, nos encontramos para edificar uns aos outros como indivíduos e, juntos, como uma igreja. A adoração coletiva “só é verdadeira e eficaz quando nos leva ao culto envolvendo ‘a vida como um todo’, praticando a justiça e vivendo generosamente (Hb 13:16)” (CARSON, et al. 2017, posição 4894).
A edificação mútua é promovida na diversidade de membros e na unidade do corpo de Cristo. Pessoas de todas as idades, ambos os sexos, com suas particularidades e peculiaridades, se encontram para glorificar a Deus.
Entretanto, como pensar em edificação mútua e prática da justiça no culto público diante do fato de que há pessoas dentro da nossa comunidade de fé que enfrentam dificuldades de acessibilidade devido a uma deficiência ou uma necessidade específica e que essa dificuldade pode ser uma barreira para a comunhão plena?
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) estima-se que em 2019 havia 17,3 milhões de pessoas de 2 anos ou mais de idade com deficiência relacionada a pelo menos uma de suas funções, o que corresponde a 8,4% desta população (BRASIL, 2021, p. 29).
Quando esses números são estratificados por faixa etária, dentre as crianças de 2 a 9 anos de idade, 1,5% (cerca de 332 mil crianças) eram pessoas com deficiência vis-à-vis as pessoas com 60 anos ou mais de idade com deficiência, que representavam 24,8% (8,5 milhões de pessoas) da população relativa a essa faixa etária (BRASIL, 2021, p. 30).
Podemos considerar inicialmente que em nossas igrejas não há e, quando há, são poucos os casos de pessoas com deficiência porque consideramos o conceito em um sentido restrito direcionado à ampla incapacitação.
Entretanto, é necessário ampliarmos nosso olhar e considerarmos que existe uma parcela considerável de pessoas em nossas comunidades de fé que podem apresentar alguma necessidade específica que não se enquadra em um diagnóstico de deficiência, mas que também são restritivas.
Alterações substanciais nos domínios funcionais relacionadas a enxergar, ouvir, andar, à cognição, ao autocuidado e à comunicação também sujeitam as pessoas a um maior risco de sofrerem restrições à participação em sociedade, principalmente com o avançar da idade (BRASIL, 2021, p. 28).
Com a transição demográfica brasileira, há uma ampliação da base da pirâmide etária, o que significa aumento no número de idosos com comorbidades e deficiências.
Esse processo já se inicia ao redor dos 40 anos de idade, indicando os primeiros indícios do processo de envelhecimento e, consequentemente, uma perda em suas funções visuais, auditivas, motoras e intelectuais que limitam sua participação social (BRASIL, 2021, p. 30).
Essa participação social também está relacionada ao culto público. Sabemos que uma parcela considerável da população cristã evangélica do país se encontra justamente acima da meia-idade, apesar de não encontrarmos dados estratificados por faixa etária quando se refere à religião.
Assim, é real que existe uma parcela significativa de membros da nossa comunidade de fé com algum tipo de deficiência ou necessidade específica e há uma lacuna em muitas igrejas no que tange à discussão acerca da acessibilidade e inclusão dessas pessoas ao culto que as privam de uma adoração comunitária plena.
Brenda Darke, em seu livro intitulado: Deficientes: o desafio da inclusão na igreja, uma das poucas obras traduzidas para o português acerca do tema, traz que (DARKE, 2015, p. 25):
Historicamente, as pessoas com deficiência têm sido discriminadas em todas as áreas da vida. Embora seja muito difícil, precisamos reconhecer que nós, a igreja, não estamos fazendo todo o possível para incluí-las em nosso campo de ação. Muitas vezes agimos de forma discriminatória, sem perceber e sem pensar nas possíveis consequências disso.
Temos refletido muito pouco sobre o tema. Não desconsidero aqui que existam muitos projetos com vista à inclusão e acessibilidade na igreja brasileira. Entretanto, diante da magnitude do problema, tais projetos ainda são tímidos. Essa lacuna já se inicia perceptível na falta de uma bibliografia teológica consistente que aborde o tema.
Entretanto, a inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência e necessidades específicas têm sido a pauta em outras áreas da sociedade. Para Darke (2015), isso é útil à igreja, que pode agora se aproveitar das normas, acordos internacionais e legislações nacionais sobre o tema para agir em prol desse grupo e garantir um tratamento mais justo e inclusivo.
O culto não deveria apresentar barreiras para a participação, mobilidade e o entendimento de pessoas com deficiência ou necessidades específicas. Diante de tais desafios, nos vemos em um impasse no que tange às soluções que podemos apresentar para viabilizar a participação desse grupo porque enfatizamos os pré-requisitos mais complexos para a acessibilidade, como, por exemplo, comunicação em libras e textos em Braille.
Muitas igrejas investem em equipamentos musicais, arquitetura moderna e mobiliários caros, mas deixam a desejar em questões simples no que se refere à inclusão. Resistem em não modificar as barreiras que entravam e limitam a participação plena de pessoas com deficiências ou necessidades específicas no culto, como o volume do louvor, a intensidade exagerada da luz, a decoração exagerada do altar ou simplesmente o espaço restrito entre cadeiras.
Há ainda as questões que envolvem a própria igreja com as liturgias específicas. As tradições mais litúrgicas, como já têm formas estabelecidas, as quais são embasadas historicamente, podem ser mais inflexíveis no que tange às mudanças. Entretanto, isso não significa que igrejas com tradições menos litúrgicas apresentam abertura a tornar o culto acessível e inclusivo, pois pode existir também nesse contexto um excesso de espontaneidade, liberdade e criatividade que causam tamanha desordem que impedem uma pessoa com necessidade específica de cultuar plenamente.
No entanto, é importante salientar que, no debate avultado neste artigo, não se propõe mudanças litúrgicas com o objetivo de adequar o culto a um público específico, mas se propõe a ênfase na unidade e na comunhão para que o culto seja integrador e pensado para todos, mesmo aqueles que possuem restrições físicas ou mentais.
Por fim, sabemos que há grandes desafios a serem enfrentados pela igreja no que tange à acessibilidade e diminuição de barreiras para a população com deficiência e outras necessidades específicas em relação à participação plena no culto público. Que possamos prosseguir fomentando o debate e buscando soluções possíveis ao contexto em que nossa comunidade de fé está inserida.
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Referências
CARSON, D. A. et al. Louvor: análise teológica e prática. São Paulo: Vida Melhor, 2017. Livro Eletrônico. 5969 posições.
DARKE, Brenda. Deficientes: o desafio da inclusão na igreja. Traduzido por José Carlos Siqueira. São Paulo: Hagnos, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: Ciclos de Vida. IBGE: Rio de Janeiro, 2019. 139 p.