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Do paladar e da audição

Resenha escrita por Marcelo Matsuo Edreira Lopes, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2022


REID, Thomas. Investigação sobre a mente humana segundo os princípios do senso comum. Tradução: Aline Ramos. 1. ed. São Paulo, SP: Vida Nova, 2013. 220 p.


A obra Investigação sobre a mente humana segundo os princípios do senso comum, escrita pelo filósofo, teólogo, professor e pastor escocês Thomas Reid (1710-1796), tem como objetivo principal destrinchar cuidadosamente outra famosa obra: Tratado da natureza humana, de David Hume (1711-1776). Além disso, busca também compreender os motivos que levaram Hume a tomar conclusões pessimistas sobre os limites do conhecimento humano, uma vez que tais conclusões trouxeram consigo o pensamento cético para a discussão. 

Reid passou aproximadamente vinte anos estudando a obra escrita por Hume e concluiu, durante a sua investigação, que a famosa teoria das ideias é responsável pela cosmovisão pessimista, e consequentemente cética, que Hume apresenta em seu tratado. Foi concebida pelo também filósofo René Descartes (1596-1650) e desenvolvida por outros personagens, como Malebranche, Locke e Berkeley, até chegar em David Hume. 

Essa resenha crítica busca tratar sobre os capítulos três e quatro do livro de Reid. O terceiro capítulo se chama Do Paladar e traz o resultado que o filósofo chegou após sua investigação sobre o que é o sentido do paladar, e alguns complementos sobre o que ele definiu como olfato. Já o quarto capítulo, é o resultado da investigação de Reid sobre a definição de audição.

Reid inicia o capítulo três levantando a hipótese de a saliva ser responsável por afetar o paladar, já que todos os órgãos do paladar estão sempre cobertos por ela. Sendo assim, para o autor, há na saliva algo específico que faz com que ela seja indispensável para que o homem possa sentir o paladar (p. 53).

E qual a importância máxima do paladar? Ele levantará o ponto de que,  junto do olfato, o paladar desempenha um papel importantíssimo para a sobrevivência do homem,  pois esses dois sentidos estão diretamente ligados tanto ao nosso canal de respiração (o olfato) quanto ao canal de alimentação (paladar). Sendo assim, fica claro que Deus deu esses dois sentidos ao homem para que ele pudesse conseguir discernir entre alimentos saudáveis e alimentos estragados e nocivos (p. 53). Porém, Reid também alerta o perigo de o homem ter um estilo de vida longe do natural, pois ele pode viciar esses dois sentidos. Assim ambos podem perder a habilidade de ajudar, pois eles passam a se agradar de algum cheiro e sabor que, apesar de agradá-los, são nocivos à saúde.

O autor dá exemplos, como o consumo de álcool e tabaco. Reid ainda usa uma alegoria de Sócrates para definir esse pensamento, onde o filósofo grego dizia que prazer e dor são contrários em suas naturezas, tendo suas faces olhando em direções opostas. Contudo, Júpiter (ou Zeus) os amarrou de tal maneira, fazendo com que aquele que se apodera de um acaba se apoderando do outro também (p. 54). 

A admiração com a qual Reid descreve como o paladar e o olfato conseguem diferenciar sabores e cheiros com centenas de possibilidades e combinações é um pensamento no qual, mesmo sem citar Deus, o autor consegue passar a mensagem geral sobre todo o seu livro. É dizer o quão complexos a mente e os sentidos humanos são para que eles possam ser resumidos somente neles (p. 55). A função desempenhada por ambos os sentidos é tão precisa e completa que a possibilidade de isso ter sido determinado de maneira aleatória passa ser considerada uma loucura.  

Entrando no quarto capítulo, Reid fala sobre a audição e divide sua definição em duas seções. A primeira foi chamada de Variedade de sons. Seu lugar e distância aprendidos por costume, sem raciocínio, e a segunda seção ficou intitulada como Da linguagem natural.  Na primeira seção, recebemos a informação de que, dependendo do tom e da força das ondulações, o ser humano pode  diferenciar mais de vinte mil possíveis sons, mostrando que esse sentido é tão capacitado e complexo quanto o paladar e o olfato. Por exemplo, diferentes instrumentos musicais podem tocar usando o mesmo tom, porém a nossa audição pode diferenciar um tom tocado por uma flauta e esse mesmo tom tocado por um violão. Pessoas do mesmo país, que falam o mesmo idioma, porém, de províncias distintas, pronunciarão as mesmas palavras de forma inevitavelmente diferente e o nosso ouvido é capaz de perceber a diferença de tom e de força de cada voz. 

Assim como o olfato e o paladar, a audição também desempenha um papel importante na vida do homem, pois é ela que nos faz identificar os sons à nossa volta. Reid coloca também a ideia de como as nossas experiências com esses sons melhoram o nosso sentido, pois como saberíamos o que é o som de tambor de uma flauta sem termos visto ambos os instrumentos antes em ação? Na segunda seção, sobre a audição, Reid afirma que chegou à conclusão de que o propósito mais nobre do som é a linguagem, pois, caso não existisse, a humanidade dificilmente se diferenciaria dos animais (p. 58).  Ele define a linguagem como aquilo que os homens usam para poder comunicar seus desejos, pensamentos, propósitos e intenções (p. 59), e divide a linguagem em duas: a natural, e a artificial. 

Por linguagem artificial, Reid chama todas as formas de comunicação de linguagem criadas pelo homem, como os idiomas. Já por linguagem natural, ele chama toda aquela comunicação por sons que os seres vivos possuem sem ter passado por uma experiência antes, como o de um pintinho que, logo quando nasce, identifica o som da sua mãe. Reid conclui que apesar das linguagens artificiais criadas pelos homens possuírem graus de complexidade e demonstrarem o nível intelectual superior do ser humano em comparação aos outros seres vivos, sem a linguagem natural seríamos tão mudos quanto os animais (p. 61). Reid afirma sabiamente que toda essa variedade de sabores, cheiros e sons, que geram milhares de sensações distintas em nós, não nos foi dada em vão (p. 58). É através delas que conseguimos perceber o mundo ao nosso redor e faz a nossa mente ser capaz de identificar os signos da criação divina. 

O que podemos ver na investigação de Reid é que, através de uma cosmovisão baseada na revelação, conseguimos identificar que quando Hume tentou usar a mente humana para investigar e definir ela mesma, uma conclusão pessimista era a mais provável, pois trazendo a lógica do argumento ontológico de Anselmo de Cantuária para cá, como um ser limitado e finito pode conseguir compreender a ilimitada e infinita criação do Criador? Sem a revelação como nosso ponto de partida, continuaremos a ter cada vez mais perguntas, e cada vez menos respostas.