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A doença para a morte, de Søren Kierkegaard: uma resenha crítica

Escrita por Olívia Marinho, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023


KIERKEGAARD, Søren. A doença para a morte. Trad. Jonas Roos. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 2022. 184 p.

O livro A doença para a morte, de Søren Aabye Kierkegaard, é uma obra filosófica complexa, que explora com profundidade a condição humana, o pecado, a fé e a busca de sentido na vida. Apesar do título provocativo, não se refere a uma doença física, mas apresenta a condição espiritual e existencial inerente a todo ser humano como indivíduo.

Ao longo dos capítulos, o autor se desdobra em profundas reflexões sobre o tema, por vezes sendo prolixo durante a apresentação. O leitor desprovido de conhecimento filosófico substancial se depara constantemente com vocabulário novo e desafiador. Entretanto, a obra é essencial para o aprofundamento e entendimento das questões da época e que buscava criticar o sistema filosófico dominante.

Kierkegaard realiza críticas profundas ao que chama de Cristandade, pois, para ele, o pagão não tem um si-mesmo diante de Deus, diferente do cristão (p. 122). Entretanto, não se trata de uma obra teológica. A obra é dividida em duas partes: A doença para a morte é desespero e desespero é o pecado. Elenca-se como perguntas-chave essenciais a serem compreendidas para melhor entendimento do texto: O que é o si-mesmo? O que é o desespero e de onde ele provém? Qual a solução para o desespero?

Em Kierkegaard, desespero é a má relação na relação de uma síntese, ou seja, uma relação entre dois, que se relaciona consigo mesma ou nessa síntese existe a possibilidade da má relação (p. 46). Na busca por descobrir quem se é, por um si-mesmo autêntico, o homem se depara com uma realidade da qual ele não se aceita e não se reconcilia em si-mesmo e essa falta de reconciliação com o Criador leva ao desespero. 

O ato de desesperar pertence ao próprio estado de ser humano (p. 46). Provém quando a relação se relaciona consigo mesma (p. 47) e pode habitar mesmo diante da felicidade (p. 57) pois algo comum e raro é alguém que não esteja desesperado (p. 58) e o que fará diferença nesse ponto é se o desespero é consciente ou não (p. 61).

O autor apresenta a perspectiva do si-mesmo como a síntese consciente de infinitude e finitude que se relaciona consigo mesma, cuja tarefa é tornar-se si mesma, o que só se deixa realizar na relação com Deus. (p. 62). O ser humano é esse paradoxo, emaranhado em uma síntese de infinitude e de finitude, do temporal e do eterno, de liberdade e de necessidade, em suma, uma síntese (p. 43, 61). Nas palavras do autor: 

Cada ser humano é primitivamente estabelecido como um si-mesmo, destinado a tornar-se si mesmo e certamente cada si-mesmo enquanto tal é anguloso, mas disso segue apenas que ele deve ser lapidado, não que deva ser desgastado, não que por medo das pessoas deva renunciar completamente a ser si mesmo, ou ainda por medo da opinião dos outros não ousar ser si mesmo na sua contingência mais essencial (que definitivamente não deva ser desgastada) na qual se é si mesmo para si mesmo (p. 66).

O desespero é uma condição fundamental da existência humana que está presente no indivíduo pelo simples fato de ser. É considerado por Kierkegaard como uma doença universal, um fenômeno comum (p. 54), uma determinação do espírito (p. 56) propriamente definida pela falta de reconciliação com o Criador e com o si-mesmo que provoca uma profunda angústia no espírito. É interessante o apontamento do autor de que o fato de não se sentir desesperado não significa que a pessoa realmente não esteja. Ao contrário, aquele que está ciente do seu desespero está mais perto da realidade do que aquele que não sabe (p. 58). Nesse sentido, a solução para o impasse do si-mesmo e do desespero está no encontro do homem com Deus. O si-mesmo é qualificado ao ser um si mesmo diante de Deus e ao tê-lo como medida e como meta (p. 120), ou seja, quanto maior a noção de Deus, tanto mais si-mesmo o homem se torna.

Por fim, A doença para a morte é uma obra ousada e conflituosa para sua época, mas de importante valor para o conhecimento do ser humano como indivíduo. É necessário apontar que se trata de uma leitura densa, que requer a compreensão de um vocabulário filosófico e leituras prévias.  Apesar disso, trata-se de uma obra fundamental para quem quer se aprofundar em uma boa compreensão filosófica existencialista.