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A hermenêutica aplicada à vida devocional com os filhos

Escrito por Adriana Meira Lima Alves, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2022

Introdução

Ter uma vida devocional diária constitui uma necessidade básica do ser humano. Quando nos tornamos pais, recebemos de Deus a nobre missão de apresentar o Evangelho aos nossos filhos, de modo que o nosso lar seja um ambiente de formação cristã contínua.

“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Provérbios 22:6, ARA). Depreende-se  dessa passagem bíblica que o ensino da criança envolve percorrer um caminho em que o Evangelho é compartilhado, enquanto pais e filhos caminham juntos. Assim, os pais devem se empenhar em estudar a Bíblia não de maneira fragmentada, mas a  interpretando sob a perspectiva do Deus que se revela no todo das Escrituras.

A hermenêutica como ferramenta de aprendizagem

Conforme bem destacou o pastor e pedagogo Igor Miguel1, em Deuteronômio 6:4-9 percebemos uma pedagogia divina, em que Deus revela ao seu povo uma informação de quem Ele é — o único Senhor e. Para que o seu povo corresponda a esta informação, deveria amá-lo de todo o coração e inculcar esse ensinamento no coração dos seus filhos mediante uma rotina de discipulado.

A missão de ensinar a Palavra de Deus não é uma tarefa simples. A vida devocional primeiramente deve fazer parte da rotina dos pais, tornando-se um hábito diário de se aquietar, eliminar as distrações e se debruçar na leitura das Escrituras para ouvir a voz do Espírito Santo, com total devoção.

Walter Kaiser Jr pontua que:

“O objetivo principal no exercício de se ler as Escrituras de forma devocional não é o domínio do conhecimento sobre Deus, mas o domínio de Deus sobre o leitor, mediante o ministério do Espírito Santo, na medida em que o leitor usa a Palavra de Deus como um desafio para fazer progressos no crescimento cristão e para dar frutos.”2

Os recursos hermenêuticos auxiliam os pais a interpretarem o texto bíblico visando a clara compreensão do seu significado original. Pode-se fazer uso de bons comentários bíblicos, de introduções do Antigo e do Novo Testamentos, ou de enciclopédias e dicionários bíblicos. A compreensão do momento histórico do texto, como vivia a sociedade da época e como era o seu ambiente político e cultural, enriquecerá a exposição para os filhos e evitará que sejam comunicadas meras impressões pessoais.

Vale ressaltar que uma boa análise prévia do texto bíblico demanda a sua leitura repetidas vezes e em diversas versões. É importante também distinguir os diferentes tipos literários, pois possuem estruturas específicas. Como lemos uma narrativa é diferente de como lemos uma poesia ou uma epístola.

Em um segundo momento, deve-se buscar a contextualização do texto bíblico para o universo infantil. Como bem destaca Moisés Silva, “é justamente o fato de a mensagem bíblica ter se mostrado relevante para uma variedade admirável de pessoas de diferentes idades e origens que prova o seu caráter essencialmente histórico”3. Assim, ao buscar a interpretação das Escrituras, deve-se partir do pressuposto de que ela é atemporal e continua relevante para o contexto sócio-cultural contemporâneo, inclusive para as crianças e suas demandas.

O culto doméstico

Depois de meditarem em todo o arcabouço histórico e cultural de uma determinada passagem bíblica, os pais devem buscar maneiras de traduzir o que estudaram para a linguagem infantil. Como a criança ainda não tem a capacidade plena de abstração, é necessário um trabalho árduo para melhor comunicar as verdades bíblicas, o que envolve uma pesquisa das características da faixa etária de cada filho. Dessa maneira, o discipulado infantil, para ser mais efetivo, precisa agregar recursos visuais, atividades lúdicas, dinâmicas de memorização dos versículos. Precisa ser divertido e estimulante!

A vida devocional no lar deve ser o melhor momento do dia, levando as crianças a desenvolverem o seu entendimento das Escrituras de uma maneira profunda. Não devemos subestimar o entendimento de uma criança, da sua conversão sincera e genuína.

Nossos filhos foram criados à imagem de Deus e o papel dos pais é lhes apresentar essa verdade absoluta, para que encontrem Nele o sentido da vida. Todavia, o foco principal não é apenas transmitir uma informação para que adquiram maior conhecimento da Bíblia. Nossa maior intenção é o alcance de seus corações, “a fim de que os pais possam ser instrumentos de resgate, conduzindo-os ao discernimento, à confissão e ao arrependimento”4. Ensinar é um ato de serviço em que demonstramos compaixão e não nos posicionamos apenas como agentes de condenação. Nosso papel como pais é reconhecer as oportunidades que Deus nos proporciona diariamente para apresentar aos filhos a Sua graça, mediante a qual eles serão transformados! Somente pela graça é que nossos filhos serão capazes de se submeterem à soberania de Deus e o glorificarem nas suas escolhas.  O culto doméstico não é o que os transformará, por mais que os pais se esforcem estudando a bBíblia. Somente o Espírito Santo é quem os convencerá do pecado e iluminará o seu entendimento, somente o Espírito Santo operará em seus corações!

Conclusão

Paul Tripp assim resume o que os pais necessitam compreender: “Sua função é fazer tudo o que está ao seu alcance como instrumento usado pelas mãos do Redentor, que o incumbiu de persuadir, encorajar, convidar e ensinar seus filhos a viverem como discípulos do Senhor, voluntariamente e com alegria”5. No desempenho da missão que nos foi outorgada, precisamos valorizar o momento destinado ao devocional doméstico, preparando previamente o local, de modo que seja confortável e sem distrações. Que seja um tempo para a leitura do texto bíblico, mas também para responder às perguntas de maneira livre. Que seja um ambiente de conversa familiar, em que as mesmas perguntas podem ser respondidas mais de uma vez.

No livro O que é uma família?, Edith Schaeffer conceitua a família como a retransmissora perpétua da verdade6. Todo pai e mãe cristãos, portanto, têm a responsabilidade de apresentar as Boas Novas a seus filhos, inculcando a pPalavra de Deus em seus corações. Com uma vida devocional diária, essa formação cristã ocorrerá de maneira natural, consistente, pois os filhos não trilharão a jornada de fé sozinhos, mas vivenciando uma caminhada em que os seus pais estão com eles no caminho.


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1 MIGUEL, Igor. Educação Cristã: Família, Escola e Igreja. Igreja Esperança. Belo Horizonte (MG),  2019. 1 Vvídeo (1:12:40). Disponível em: Educação Cristã: Família, Escola e Igreja – Igor Miguel – YouTube.

2 KAISER, Walter C; SILVA, Moisés. Introdução à hermenêutica bíblica: como ouvir a palavra de Deus apesar dos ruídos de nossa época. Tradução: Paulo C. N. dos Santos; Tarcízio J. F. de Carvalho e Susana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 158.

3 Ibid., p. 235.

4 TRIPP, Paul. Desafio aos Pais: os 14 princípios do evangelho que podem transformar radicalmente sua família. Tradução: Cláudia Vassão Ruggiero. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 131.

5 Ibid., p. 153.

6 SCHAEFFER, Edith. O que é uma família? Tradução: Elizabeth Charles Gomes. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019, p. 135.


Referências bibliográficas

FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês?: um guia para entender a Bíblia com  auxílio da exegese e da hermenêutica. Tradução: Gordon Chown e Jonas Madureira. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2011. 317 p.

KAISER, Walter C; SILVA, Moisés. Introdução à hermenêutica bíblica: como ouvir a palavra de Deus apesar dos ruídos de nossa época. Tradução: Paulo C. N. dos Santos; Tarcízio J. F. de Carvalho e Susana Klassen. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 272 p.

MIGUEL, Igor. Educação Cristã: Família, Escola e Igreja. Igreja Esperança. Belo Horizonte (MG), 2019. 1 vídeo (1:12:40). Disponível em: Educação Cristã: Família, Escola e Igreja – Igor Miguel – YouTube.

OSBORNE, Grant, R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. Tradução: Daniel de Oliveira, Robinson N. Malkomes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. 668 p.

SCHAEFFER, Edith. O que é uma família? Tradução: Elizabeth Charles Gomes. 1ª ed. DF: Editora Monergismo, 2019. 294 p.

SMITH, James K. A. Você é aquilo que ama: o poder espiritual do hábito. Tradução: James Reis. São Paulo: Vida Nova, 2017. 256 p. 

TRIPP, Paul. Desafio aos Pais: os 14 princípios do evangelho que podem transformar radicalmente sua família. Tradução: Cláudia Vassão Ruggiero. 1ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 173 p.

WARREN, Tish H. Liturgia do ordinário: práticas sagradas na vida cotidiana. Tradução: Guilherme Cordeiro Pires. DF: The Pilgrim, 2019. 216 p.