Escrito por Bruno Martins de Camargo, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023
Introdução
A preservação da natureza e o cuidado com o meio ambiente são temas recorrentes em nossa sociedade contemporânea. Em universidades, congressos temáticos, encontros da comunidade científica, escolas e na própria mídia popular, tais assuntos têm sido um ponto focal. Sua abordagem é muitas vezes sensacionalista, às vezes fundamentada com dados científicos, mas muitas vezes fortemente apresentados com um viés político.
De modo geral, as notícias divulgadas e as opiniões são variadas, mas grande parcela delas é permeada por uma cosmovisão distorcida, que desconsidera a realidade integral da Criação, os efeitos da Queda e a esperança redentiva que há em Cristo. O objetivo deste artigo, portanto, é discorrer, fundamentado em uma visão bíblica e crítica dos nossos tempos, sobre um dos pontos mais importantes que permeiam esse tema: a interface na relação do homem com o meio ambiente. Para isso, o artigo foi estruturado conforme o enredo básico apresentado por Goheen e Bartholomew (2016, p. 52): Criação, Queda e Redenção.
A Criação
Uma visão bíblica sobre este tema passa necessariamente pelos propósitos iniciais dados por Deus ao homem no período pré-queda, conforme as passagens abaixo explicitadas:
Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão’. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra’ (Gn 1:26-28).
O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo (Gn 2:15).
O verbo imperativo “domine” (yirdu/redu) condensa em si o mandato cultural do homem, a ordem para que ele seja representante de Deus aqui na Terra, exercendo domínio sobre a Criação. Tal domínio deveria ser realizado de duas maneiras: mediante o trabalho (verbo le’avdah) e mediante a proteção do jardim (verbo leshamrah). No primeiro caso, a NVI traduz o verbo como “cultivá-lo”, pressupondo que o homem é um elemento central na extração do potencial máximo da natureza em frutificar, aspecto também ressaltado em Gn 2:5. No segundo caso, a NVI traduz o verbo como “cuidar dele”, tornando evidente que, ao homem, não cabia apenas extrair da terra seu máximo potencial, mas também protegê-la, dada a sua vulnerabilidade ao estar sob o domínio de alguém.
Obviamente, conciliar essas duas funções, na prática, não é tarefa tão simples, dado que a realização da primeira muitas vezes pode trazer impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente. Cabe, no entanto, dizer que esse mandato seria cumprido mediante a busca do homem por uma sabedoria do alto, da parte de Deus, de modo que o resultado seria bom e agradável ao Senhor.
Os efeitos da Queda
A Queda, no entanto, afetou essa relação. Em primeiro lugar, porque a própria terra foi amaldiçoada, passando a produzir “espinhos e ervas daninhas” (Gn 3:18), não mais entregando todo seu potencial de frutificação, mas até mesmo se voltando contra os homens (como citado em Lv 18:28, por exemplo). Em segundo lugar, essa relação foi afetada porque o homem passou a exercer tal domínio de modo desequilibrado, ora abdicando da sua função de trabalhar a terra, ora abdicando da sua função de protegê-la.
As visões comuns sobre essa relação do homem com a natureza no mundo via de regra colocam uma lente de aumento em uma dessas duas funções. De um lado, há aqueles que defendem ou praticam a ação predatória da natureza. Não faltam exemplos em nossos dias deste caso: a ação dos garimpeiros no Estado de Roraima, o uso dos rios urbanos puramente como canais de transporte de esgotos sanitários, a criação de animais em condições deploráveis, o desmatamento desmedido, dentre outros.
Nestes casos, a função de trabalhar a terra é feita às custas da sua proteção, o que, a médio ou longo prazo, tende a minimizar sua capacidade produtiva. Quase sempre essa visão é decorrente da idolatria ao dinheiro, dando vazão ao consumismo exacerbado, característica típica dos nossos tempos, conforme relatado por Goheen e Bartholomew (2016, pág. 172 a 180).
Por outro lado, há uma visão diametralmente oposta, que coloca uma lente de aumento na proteção do meio ambiente, em completo detrimento do chamado que o homem recebeu de trabalhar a terra. Normalmente, tais visões são defendidas por ambientalistas apartados de uma visão integral e sistêmica da realidade e que não oferecem respostas plausíveis para outras necessidades sociais, como alimentação, água, energia elétrica, materiais para produção de bens, dentre outros.
Os exemplos deste segundo caso são diversos e muitas vezes demonstrados em movimentos ativistas: multidões que protestam contra toda obra de produção de energia elétrica, atividade de mineração, criação de gado, etc. É irônico, no entanto, lembrar que tais multidões também desfrutam dos benefícios de tais atividades.
Obviamente, o autor aqui não defende o exercício daquelas de modo irresponsável. O que está em questão é que o ativismo ambiental de nossos dias é muitas vezes pouco fundamentado cientificamente e desprovido de uma visão integral da realidade. O que há em comum entre ambos os extremos? O fato de que eles são regidos por uma visão dualista da realidade, resumindo-a apenas ao aspecto material do mundo, seja para garantir a sua preservação a qualquer custo, seja para explorá-lo para benefício puramente imediato.
A Redenção Cósmica de Cristo
O que a Palavra de Deus tem a nos trazer de esperança para este tema? Paulo afirma em uma de suas cartas:
A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8:19-21).
A redenção em Cristo é uma redenção cósmica, que há de alcançar plenamente toda a Criação. Essa redenção já se estende sobre a Sua Igreja, restaurando as funções básicas do mandato cultural: as ordens de trabalhar a terra e de protegê-la.
Os filhos de Deus já exercem essa redenção, ao serem usados por Deus em seu trabalho (1 Ts 4:11-12 e 2 Ts 3:11-12) e ao rejeitarem a idolatria, possibilitando, assim, o devido cuidado ao meio ambiente. O texto final de Apocalipse traz um símbolo claro dessa restauração final sobre a Criação que virá no fim: “o rio da água da vida que, claro como cristal, fluía do trono de Deus e do Cordeiro, no meio da rua principal da cidade” (Ap 22:1-2). Um símbolo maravilhoso, de um rio urbano, mas completamente despoluído.
Conclusão
A igreja tem, portanto, um papel importante em proclamar uma visão sistêmica e holística do evangelho, de modo que a Palavra de Deus gere transformação não apenas em uma ordem soteriológica individual, mas em termos cósmicos; no caso abordado neste artigo, no modo em que a natureza é cuidada e gerida, sob o domínio zeloso do homem.
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Referências Bibliográficas
GOHEEN, M. W. & BARTHOLOMEW, C. G. Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. Tradução de Marcio Loureiro Redondo. Editora Vida Nova, São Paulo, 2016, 272 p.
SANTOS, J. S. Cosmovisão cristã e ecologia: um diálogo necessário para a compreensão da crise ambiental. Revista Summa Sapientiae – V.1, n.1, Faculdade Internacional Cidade Viva, João Pessoa, 2018. Disponível em: https://periodicos.ficv.edu.br/index.php/summaesapientiae/article/view/10.