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A leitura social como instrumento de edificação

Escrito por Joyce Medeiros de Melo, estudante do Programa de Tutoria – Turma Essencial 2021

A emergência da Sociologia no século XIX se deu como uma resposta às inúmeras transformações sociais que o Ocidente vivenciava com a explosão da Revolução Industrial. Surgiu timidamente alinhada às ciências naturais, diante de um contexto positivista de ciência moderna, mas, ao longo do século, desenvolveu-se, expandindo seus métodos de análise e seu campo de estudo. 

Os séculos seguintes chegaram e apresentaram diferentes áreas de atuação para o profissional que trabalha diretamente em projetos de estruturação e transformação social e para aqueles que dedicavam a carreira à pesquisa social ao formularem categorias de interpretação e categorização do mundo que nos cerca. 

Muitas dessas categorias são costuradas por um tecido teórico que expressa uma forma de ver a realidade e os valores caros a ela — são ideais de mudança ou revolução descortinadas em políticas públicas e lutas sociais. Possivelmente uma pessoa que estivesse presente no contexto de surgimento da Sociologia com dificuldade daria àquela nova ciência o lugar de influência que na contemporaneidade ela possui. 

A partir de uma vivência pessoal nas Ciências Sociais e do entendimento bíblico a respeito do senhorio de Cristo na realidade da natureza e da cultura, este artigo se propõe a dialogar sobre a necessidade de entender a Sociologia enquanto uma ferramenta possível (e necessária) ao cristão. Com o auxílio de pensadores conectados com a teologia reformacional, vê-se a análise social como um instrumento que pode produzir conhecimento científico alinhado a uma visão bíblica, no intuito de contribuir para a edificação do Corpo de Cristo e para a valorização dos princípios cristãos na sociedade.

A crítica cabal

Denomino como crítica cabal aquela que ouço em diversos meios da cristandade a respeito das análises sociais e dos profissionais cristãos que constroem esse conhecimento: não é possível fazer Sociologia alinhada aos princípios cristãos. Esta ideia aponta como culpado o berço filosófico que embalou a mirada sociológica: herdeiros do Iluminismo, valores como antropocentrismo, saber ativo do homem e conceitos de liberdade ligados à autossuficiência humana são exemplos de alicerces das principais teorias sociais do século XIX.

Muitas dessas concepções teóricas, sem admitir a existência e interferência divinas na sociedade, retiram da experiência humana, dos afazeres e vivências, da cultura, da história e tradição os padrões temporalmente negociáveis de ação e crença, priorizando o elemento subjetivo de interpretação.

Com este ponto de partida, a análise pode facilmente ser comprometida ao distanciar-se do propósito inicial pelo qual as instituições foram criadas por Deus e é assim que grande parte das gerações anteriores deixaram a Sociologia de lado como uma vertente da ciência que não é negociável com a fé cristã — isso quando seu próprio status de ciência não era questionado, fazendo coro às críticas existentes fora dos arraiais religiosos.

Herman Dooyeweerd, filósofo cristão, traz na obra Raízes da Cultura Ocidental (2019) a análise de que este problema não é de exclusividade das Ciências Sociais, mas uma discrepância tomada por toda vertente científica ou filosófica que se propõe a explicar a realidade criacional por uma dimensão apenas — seja ela utilitarista, econômica, fideísta, social, histórica, racionalista, etc. O autor defende que qualquer entendimento que desconsidera o que foi criado, seja o ser humano ou a natureza, em conexão existencial com Deus, o Criador, formula para si um motivo religioso base para explicação da realidade enviesadamente.

Isso fabrica ídolos e corrompe a visão de mundo daquele que toma para si esse tipo de perspectiva separada de Deus. É assim para aqueles que escolhem as categorias sociais para classificar tudo o que existe; é assim para aqueles que utilizam categorias que não começam e terminam naquele que é o Alfa e Ômega, a fonte e o propósito de toda a existência. 

Mas e a Sociologia? Existe uma saída? Ciente dos perigos de absolutização de aspectos humanos e sociais, é possível verificar com maior atenção aquilo que deve ser levado em primeira mão nas análises e no dia a dia da profissão. Se o aspecto social da vida existe, o que é verdadeiro, deixá-lo de lado por conta de uma aversão a certos métodos e teorias não é uma opção: da mesma forma que se sabe que Deus concede, por Sua graça, entendimento aos seres humanos para prescrutarem a realidade das coisas criadas, também é sabido que o cristão possui o desafio de ser um agente redentivo naquilo que foi chamado a fazer.

Jogar toda a análise social fora é arremessar a água e o bebê no mesmo movimento: é preciso aprofundar o conhecimento social a partir de uma mirada cristocêntrica, como muitos já o tem feito, e subsidiar como igreja aqueles que se propõe a fazê-lo em nosso contexto, apoiando em oração, exortação, incentivo e leituras que auxiliem a administrar as categorias conceituais à sombra da cruz. Construir uma Sociologia para a glória de Deus não é somente possível: é necessário.  


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOOYEWEERD, Herman. Raízes da cultura ocidental: as opções pagã, secular e cristã. Trad. Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.

POYTHRESS, Vern S. O senhorio de Cristo: servindo o nosso senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração. Trad. Marcelo Herberts. Brasília, DF: Monergismo, 2019.