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As ideias têm consequências

Escrito por Jefferson Lemos de Almeida, estudante do Programa de Tutoria em Filosofia de 2021

Não é difícil encontrar algum cristão, estudante de filosofia, sendo questionado sobre a utilidade de seus estudos. Geralmente isso ocorre especialmente no começo da caminhada acadêmica, quando muitos, sem entender, indagam o motivo pelo qual alguém deveria se ocupar com o que homens e mulheres falaram há muito tempo. O questionamento geralmente vem acompanhado de “exortações” do tipo: “filosofia não é coisa para cristão”; “isso te afastará de Deus”; e por aí vai. Na verdade, é de conhecimento que, no fundo, os questionadores estão perguntando: “estudar filosofia dará a você algum dinheiro?”

Bom, a resposta para essa pergunta pode depender do contexto e da intenção de cada estudante. Geralmente, não é comum ver muitos filósofos andando bem arrumados por aí. Entretanto, a resposta a esta indagação não é de fato relevante. A resposta mais importante é a da primeira pergunta: para que um cristão deveria estudar filosofia? Para que serve investigar o pensamento de pessoas antigas? Qual seria o benefício disso tudo? Obviamente, há inúmeras respostas a estas indagações. Isso também dependerá de cada estudante em particular. As motivações para o estudo da filosofia são infindas. Contudo, se o estudante que está sendo indagado for um cristão, o que ele deveria responder? Um exemplo pode ser útil a fim de trazer luz a essa indagação.

Um dos filósofos mais importantes do séc. 19 foi, sem sombra de dúvidas, o alemão Friedrich Nietzsche. Um estudante de filosofia, em um determinado momento, estudará Nietzsche. Em alguma hora, lendo os seus escritos, o calouro filósofo poderá se deparar com a crítica que Nietzsche faz a um dos mais importantes filósofos do período pré-socrático, Parmênides, em seu livro “A Filosofia na era trágica dos gregos”. Parmênides, que de maneira bem simples, explorou a estabilidade do ser. Para ele a verdade está na estabilidade, na imutabilidade do ser. Ele acreditava que “tudo o que existe de modo absoluto, não pode mudar (“tudo o que é, é”). Não pode ser e não ser ao mesmo tempo e da mesma maneira” (SPROUL, 2002, p. 23). Em resumo, não pode haver mudança em nada, pois se houver, ela não é, não existe. Outro ensino de Parmênides é a sua crença de que não se podia confiar nos sentidos, mas somente na razão. Em consequência a isso, houve um divórcio entre experiência e pensamento. O ponto relevante é que, para Nietzsche, o ensino de Parmênides foi um marco significativo em toda a história da filosofia. Veja o que o próprio Nietzsche (2008, n.p.) afirmou:

“Com isto ele operava a primeira crítica do aparelho do conhecimento, extremamente importante e funesta em suas consequências, se bem que ainda muito insuficiente. Através disso ele repentinamente separou os sentidos e a capacidade de pensar abstrações, a razão, como se fossem duas faculdades inteiramente distintas, desintegrou o próprio intelecto e animou aquela divisão completamente errônea entre corpo e espírito que, especialmente desde Platão, pesa sobre a filosofia como uma maldição”.

Para Nietzsche, além da discordância da visão de estabilidade do ser de Parmênides, essa separação entre os sentidos e a capacidade de abstração empobreceu o intelecto humano. Tal ideia, para Nietzsche, se tornou como uma maldição na filosofia. De certa forma o filósofo alemão tinha razão, pois pode-se dizer que Parmênides influenciou o pensamento filosófico de tal forma que o empirismo e o racionalismo, vistos na modernidade, são consequências deste divórcio entre sentidos e razão. Essa antítese entre o empirismo e a racionalidade perdura até os dias atuais. O mais interessante é notar que Nietzsche utilizou outro importante filósofo pré-socrático para comparar com o pensamento de Parmênides, Heráclito.

Contudo, a grande pergunta continua: afinal de contas, para que serve o estudo da filosofia para o cristão? Em que a crítica de Nietzsche consegue ajudar a responder este dilema? A resposta para isso é simples: as ideias têm consequências! Não se pode deixar passar batido o fato de um filósofo importante do séc. 19 estar citando um outro filósofo do séc. 6 a.C., para fazer uma crítica a um pensamento que está perdurando até os seus dias. Nietzsche percebeu que o que Parmênides idealizou, influenciou largamente o mundo ocidental, desde o séc. 6 a.C., até a modernidade. É notável a distância temporal entre Nietzsche e Parmênides. Isso chega até ser inacreditável. Entrementes, esta é a realidade! Parmênides idealizou algo que perpassou mais de 25 séculos. À luz dessa apresentação, já não se faz necessário explicações robustas do porquê o cristão deveria estudar filosofia. As ideias têm consequências! Um pensamento aqui, pode se tornar em uma filosofia que definirá toda uma cosmovisão em um futuro não muito distante. 

Outro exemplo clássico é a influência do pitagorismo ainda no mundo contemporâneo. Toda a base fundamental da matemática e de outras áreas da ciência advém do pitagorismo. Russel (2015, p. 64) chega a afirmar, sobre Pitágoras, que desconhece “outro homem tão influente quanto ele na esfera do pensamento”. Como que um pensador jônico do séc. 6 a.C. pode influenciar tão largamente a história humana? Como que certas ciências, apesar de todo avanço científico e tecnológico moderno, ainda encontram suas bases em um pensador tão antigo? Uma outra forma de exemplificar é se perguntar: por que o mundo é como é hoje? Por que há casas, energia elétrica, água encanada, esgoto, carros para se andar? De onde veio tudo isso? Sproul (2002, p. 11) afirma que “essas coisas práticas existem porque alguém começou a pensar nelas […] antes que fossem inventadas ou criadas. A ideia [sic] precedeu o produto, e geralmente é assim que a coisa funciona”. Sproul é certeiro em afirmar que antes do produto, alguém teve uma ideia, um pensamento. Contudo, isso se aplica para além. As práticas e os pensamentos contemporâneos também possuem uma ideia originária, uma filosofia incipiente. A forma como a sociedade contemporânea se porta diante da realidade e os motivos básicos no coração de cada indivíduo foram influenciados por filosofias muito mais antigas que se pode imaginar. Não é sem razão que o mundo ocidental, como conhecido, tem suas origens na filosofia grega.

Por fim, é possível responder à pergunta inicial da seguinte maneira: o estudo da filosofia é importante para o cristão, pois, uma vez que o mundo ocidental é fruto de ideias e pensamentos antigos, é imprescindível saber e conhecer quais são estas ideias que estão por trás do pensamento contemporâneo e quais são os motivos básicos que norteiam as cosmovisões presentes. Afinal de contas “nós entramos no jogo muito depois que ele foi criado” (SPROUL, 2002, p. 12), logo, é preciso conhecer as regras do jogo. Um cristão que deseja encontrar um bom caminho para anunciar o evangelho de Cristo Jesus, deve conhecer o seu mundo, as ideias vigentes na contemporaneidade.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental – Livro I: A filosofia antiga. Trad. Hugo Langone. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Trad. Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002.

NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na idade trágica dos gregos. 2008. Disponível em: <https://lelivros.love/book/baixar-livro-a-filosofia-na-idade-tragica-dos-gregos-friedrich-nietzsche-em-pdf-epub-mobi-ou-ler-online/>. Acesso em 28 de jan. de 2021.

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