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Com a mente e o coração

Escrito por Luiza Cristina Zagonel, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2020

Não é verdade que o coração nos ardia no peito, quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?

Lucas 24:32

Introdução

Alvin Plantinga, filósofo norte-americano, tem se dedicado a mostrar que, ao contrário do que afirmam os novos ateístas, a fé cristã pode ser considerada racional, razoável e justificada. Para isso, ele se utiliza do conceito de warrant (traduzido como aval ou garantia) e desenvolve aquilo que chama de “modelo Aquino/Calvino estendido”. Ele também demonstra que a fé cristã vai além do intelecto, envolvendo da mesma forma os afetos. O trabalho de Plantinga se destaca, também, por ser uma demonstração de que é possível ao cristão desenvolver seus estudos com rigor acadêmico sem comprometer sua fé na Palavra de Deus.

Aval e o modelo Aquino/Calvino estendido

O argumento de Plantinga visa demonstrar que a crença cristã pode ter aval, o qual ele define como “a propriedade que em grau suficiente consiste na distinção entre o conhecimento e a mera crença verdadeira” (2016, p.72). Se assim o for, então o cristão não precisa sentir-se constrangido por manter suas crenças a respeito de Deus, pois, se for possível que a crença cristã tenha aval, não poderá ser acusada de ser irracional ou injustificada. O que, então, é necessário para que uma crença tenha aval?

Uma crença tem garantia [aval] para a pessoa S apenas se essa crença for produzida em S mediante faculdades cognitivas em pleno funcionamento (não sujeitas a disfunções) no ambiente cognitivo adequado para as faculdades cognitivas de S, de acordo com o projeto de design que visa com sucesso à verdade. (2016, p. 77)

Partindo desse conceito, ele apresenta um modelo por meio do qual a crença cristã pode ter aval, baseado nas afirmações de Tomás de Aquino e João Calvino a respeito do conhecimento de Deus, que Plantinga estende para incluir as crenças especificamente cristãs; por isso a nomenclatura “modelo Aquino/Calvino (A/C) estendido”. Esse modelo implica a veracidade do cristianismo; logo, para demonstrar a falsidade do modelo, seria necessário demonstrar a falsidade do cristianismo.

Em que consiste o modelo A/C estendido? Primeiro, em que “há uma espécie de faculdade ou mecanismo cognitivo, a que Calvino chama sensus divinitatis” (2018, p.189-190) que produz, em diversas circunstâncias, crenças em Deus. Isso significa que o ser humano possui uma capacidade inata para formar crenças teístas. As circunstâncias não são, entretanto, a causa da crença, que também não é formada a partir de outras proposições ou argumentos; nesse sentido a crença cristã pode ser considerada básica (à semelhança das crenças formadas pela percepção e pela memória).

Dada a existência do sensus divinitatis, cujo propósito é “permitir crenças verdadeiras a respeito de Deus; e quando funciona propriamente, ele as produz” (2016, p.89), por que algumas pessoas não formam essas crenças?

De acordo com o modelo Aquino e Calvino, esse conhecimento natural sobre Deus foi em muitos casos (ou na maioria deles) comprometido, enfraquecido, reduzido, suavizado, coberto e impedido pelo pecado e suas consequências. (2016, p.89)


O pecado, portanto, leva o indivíduo a resistir ao sensus divinitatis, tornando-o incapaz de, por si mesmo, acreditar no cristianismo. É aqui que Plantinga estende o modelo A/C para incluir a as Escrituras, o testemunho interno do Espírito Santo e a fé.

Plantinga acredita que Bíblia é a revelação de Deus. Nela, encontramos o remédio para o problema do pecado: a salvação baseada na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. As Escrituras cumprem seu papel no modelo A/C estendido ao tornarem as verdades do Evangelho conhecidas pelos seres humanos. Entretanto, devido às devastações provocadas pelo pecado, o simples conhecimento dessas verdades não é suficiente para gerar a crença; é necessária a ação do Espírito Santo no coração. “É pela obra do Espírito Santo que os cristãos passam a apreender, acreditar, aceitar, defender e regozijar-se na verdade das coisas grandiosas do evangelho” (2018, p.257). Também a produção da fé (o terceiro elemento do modelo A/C estendido) é obra do Espírito Santo. Para Plantinga, a fé envolve tanto um elemento cognitivo – ela é revelada à nossa mente e é o “conhecimento da disponibilidade da redenção e salvação por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo” (2016, p.116) – quanto os afetos e a vontade, sendo “selada em nosso coração”.

A importância dos afetos

O modelo A/C estendido, portanto, indica que a crença cristã é mais do que simplesmente considerar a doutrina cristã como sendo verdadeira, mas envolve também uma mudança nos afetos. O pecado não afetou apenas o intelecto (impedindo a pessoa de perceber a verdade do Evangelho), mas teve um impacto profundo, afetando o coração (provocando em nós repulsa, desprezo e até mesmo ódio por Deus). Da mesma forma, a ação do Espírito Santo não apenas restaura o funcionamento do sensus divinitatis para que possamos crer em Deus, como também redireciona o coração. Plantinga aborda a questão da seguinte forma:

A pessoa de fé, contudo, não acredita apenas nas afirmações centrais da fé cristã; também considera (paradigmaticamente) o esquema da salvação, no seu todo, imensamente atraente, encantador, uma fonte de reverente maravilhamento. Ela é profundamente agradecida ao Senhor pela sua imensa bondade e responde com o próprio amor ao amor sacrificial que ele manifestou. […] E o crente, a pessoa de fé, tem não somente as crenças corretas, mas também as afeições corretas. A conversão e a regeneração alteram as afeições tal como alteram a crença. (2018, p.302)

A crença em Deus, portanto, possui um aspecto prático, e a própria doutrina cristã é mais do que teórica, estando diretamente relacionada com a prática da vida cristã. É a mudança nos afetos que possibilita que o crente não apenas compreenda que o pecado deve ser odiado, mas passe a efetivamente odiá-lo. Também, sem a obra do Espírito Santo no coração, seria impossível amar a Deus, por mais convencido que o intelecto estivesse a respeito disso.

Qual seria, então, a relação entre o intelecto e os afetos? Qual deles tem prioridade, qual vem primeiro? Plantinga acredita que não há como dizer; parece-lhe que estão tão inter-relacionados, um influenciando e sendo influenciado pelo outro, de maneira que não seja possível saber qual vem primeiro. Pra ele, “a estrutura da vontade e do intelecto é aqui talvez uma espiral, um processo dialético” (2018, p.313), de forma que tanto as afeições corretas nos permitem perceber a verdade, a beleza e a glória de Deus, quanto nosso conhecimento dessas coisas aumenta nosso amor e devoção.

Conclusão

Plantinga, portanto, nos ajuda a lidar com as críticas que o cristianismo recebe, mostrando que, para provar que a crença cristã é irracional, o acusador deveria primeiro provar a falsidade dela. Ou seja, se a crença cristã for verdadeira (e ele acredita que ela de fato o é), pode ter aval. Entretanto, ele não se limita a analisar apenas as questões relativas ao intelecto, mas nos lembra da importância da transformação que o Espírito Santo provoca em nosso coração.

Em suma, de acordo com o modelo, a fé é questão de conhecimento firme e certo, revelado à mente e selado no coração. A pessoa tem o coração selado, conforme o modelo, caso existam os tipos corretos de afetos; em essência, ela ama a Deus acima de tudo e o próximo assim como a si mesma. (2016, p.150)


Referências Bibliográficas:

PLANTINGA, Alvin. Crença Cristã Avalizada. Tradução de Desidério Murcho. São Paulo: Vida Nova, 2018. 512 p.

___________ Conhecimento e Crença Cristã. Tradução de Sérgio Ricardo Neves de Miranda. Brasília, DF: Academia Monergista, 2016. 224 p.

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