fbpx

Deus está morto

Escrito por Daniel Ponick Botke, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2020

O homem está livre de religião, o homem pode viver sem idolatrar nada, a ciência tomou o lugar de Deus, não precisamos mais de Deus, o homem pode ser a medida do próprio homem, Deus está morto. Estas são algumas afirmações que iremos testar de forma breve neste artigo. Seriam elas verdadeiras? Estaria Deus de fato morto e o homem livre de toda e qualquer religiosidade? Defendo que não apenas o homem não consegue ser arreligioso, como também que este continua necessitando de Deus, o qual está vivo.

1. A morte de Deus

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi aquele que “matou a Deus”. Vivendo em uma Europa pós Iluminismo e pós revolução francesa, ele viu muitas das dúvidas e perguntas da humanidade que antes eram respondidas pela religião, sendo agora respondidas pela ciência, não necessitando mais de Deus para explicar os fenômenos naturais, as doenças, e nem mesmo a origem e existência do homem. Deus não somente não era mais necessário, mas, segundo Nietzsche, não gerava nenhuma mudança em seus seguidores, os quais na sua época pregavam algo que não viviam; logo Nietzsche conclui que se Deus existir Ele está morto.

Isso fortaleceu ainda mais a execução do ideal Iluminista de um estado laico, o qual defendia que quase todas as guerras do mundo até então tinham motivação religiosa. Muita dor, sangue e sofrimento foram causados por guerras ditas santas. Isto não era mais necessário, e seria resolvido com Estados laicos que governariam sua nação racionalmente, guiados pela ciência e pela razão, livres de influências religiosas. Os países negociariam entre si com bases científicas e econômicas, proporcionando paz, progresso e crescimento ao mundo. Vemos inclusive reflexo disso em nossa bandeira nacional, a qual tem as palavras “Ordem e progresso” tiradas do lema positivista “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim” de Auguste Comte (curioso que foi removido o amor). (1)

A grande pergunta que podemos fazer é: deu certo? Obviamente já sabemos a resposta, pois basta olharmos para os últimos 120 anos e ver a quantidade de guerras provocadas e combatidas por Estados ditos laicos, dentre elas as duas grandes guerras mundiais. Não bastasse isso, a evolução da ciência e dos Estados laicos não extinguiu, nem mesmo diminuiu, o crescimento das religiões, nem impediu que novas guerras santas estourassem em nosso planeta.

2. O homem secular moderno/pós-moderno

O homem pós segunda guerra tinha agora Deus morto de um lado e a desconfiança com os governantes e com a humanidade do outro. Onde, portanto, depositar a sua fé? No que confiar e como continuar a vida? A ciência que prometia cura desenvolveu gases para massacre em massa de seres humanos. Os governos ditos laicos guerrearam em prol de ideologias filosóficas, e por teorias de seleção racial. O que restou? Dentre os escombros, o homem resgatou algo em que se apoiar, algo que continuava lá, sua confiança na razão e em si mesmo.

O homem moderno continuou descrente e cético quanto a existência e necessidade de Deus. Confiante em seu próprio raciocínio, este acreditava na capacidade do homem de conhecer e de chegar à verdade por si mesmo. Acreditava ter dentro de si a habilidade de fundamentar e explicar suas crenças. A ideia conhecida como Fundacionalismo defende que uma ideia só pode ser aceita se estiver baseada em alguma outra ideia que foi comprovada racionalmente, e assim por diante até que na base mais profunda deste edifício do conhecimento estariam as ideias básicas, as quais não precisam de evidências para se provarem verdadeiras. Esta é uma teoria internalista, ou seja, o crença de que a  verdade é baseada e desenvolvida no interior do homem, é internalizada. (1) (2)

3. O homem entre Deus e os ídolos

Teria desta vez o homem conseguido chegar à verdade e estar certo e seguro de que a detém? Certamente não. O fundacionalismo mostrou-se impraticável, visto que poucas crenças passam pelo seu crivo. Crenças diárias e cotidianas como a explicação de que o céu que estou vendo é de fato azul e não verde, mostraram-se difíceis, e em alguns casos impossíveis de se provar no método fundacionalista. Este, portanto, se mostrou demasiado distante da vida real do homem. E como se não bastasse, este mostrou-se autocontraditório pelo fato de que o método fundacionalista não é fundamentado e originado em uma crença básica; sendo assim, o próprio fundacionalismo não é aprovado pelo fundacionalismo.

Desta forma o fundacionalismo perdeu sua força, e com ele a ideia de que todas as sentenças assumidas como verdade devem ter base científica, ou serem cientificamente comprovadas, uma vez que este nível de comprovação mostrou-se impossível, ou no mínimo muito distante da vida real. Com isso, o homem dito pós-moderno tornou-se medida de verdade para si mesmo, onde agora a verdade não mais precisa necessariamente ser comprovada ou embasada por alguma outra verdade, precisa apenas ser verdade para você, fazer sentido para você, ou te fazer bem ou feliz. O internalismo foi mantido.

4. A idolatria que nos destrói

A pergunta que quero propor, no entanto, é: O modernismo e o pós modernismo conseguiram de fato se livrar da religião? Tornaram-se eles arreligiosos? Minha resposta é não, a qual defendo primeiramente buscando entender o que não é religião. Religião não é necessariamente crença em um Deus, o budismo não crê em um Deus. Religião não é necessariamente crença no sobrenatural, o hinduísmo não crê em uma esfera além da esfera material. Então o que é religião? Religião é um conjunto de crenças que explica o que é a vida, quem somos e as coisas mais importantes para o homem. O compromisso de fé em algo é a forma de responder às seguintes perguntas básicas: Quem sou eu (natureza e propósito humano)? Onde estou (natureza do mundo)? O que está de errado (obstáculo para a minha satisfação)? Qual a solução (como vencer esse impedimento à minha realização)? (3)

Ora, quem tem respondido estas perguntas cruciais do homem na modernidade? A ciência, com base em sua razão, mas como vimos brevemente acima, esta não tem dado conta de cumprir com suas promessas nem mesmo de justificar crenças cotidianas e ordinárias. Já na pós modernidade a consciência do homem tem respondido, ou tentado responder, estas perguntas, não necessariamente com base em sua razão, mas com base em seus desejos. A verdade torna-se verdade para mim se esta vai de encontro com aquilo que acredito e desejo, seja dinheiro, fama, família, aparência etc. Ou seja, na mesma proporção que o homem moderno depositou sua fé e esperança na ciência e na razão, o homem pós-moderno deposita sua fé e esperança na satisfação do seu ego, ou seja, a religião continua ali. Eles podem não mais estar adorando um deus pessoal e transcendental, mas certamente estão adorando algum ídolo.

Então, talvez nos perguntemos: Certo, mas qual o problema nisso? O problema é que não temos como nos tornar maiores do que aquilo que idolatramos. Se idolatramos a razão teremos de nos contentar com suas respostas sobre a vida, origem do cosmo, sentido da existência etc., mas como vimos, está não possui proposta muito animadoras. Da mesma forma, se somos guiados pelos desejos do nosso coração, mesmo que o alcancemos, logo perceberemos que se tratava de mais um trivial desejo, perecível, que não responde às perguntas da vida.

Por fim, todo ídolo requer um altar e um sacrifício, a idolatria da razão tem como altar a academia ou os trabalhos acadêmicos, e pede como sacrifício os desejos e emoções da vida real. Da mesma forma os diversos desejos do nosso coração requerem um altar e um sacrifício: o dinheiro com o trabalho como altar e talvez sua família ou saúde como sacrifício. A beleza com as redes sociais como seu altar e a auto estima como sacrifício. O consumismo com o shopping como seu altar e o dinheiro como sacrifício, e assim por diante. Assim, a idolatria a ídolos de nosso espaço-tempo não apenas nos torna do mesmo tamanho de nossos ídolos, mas nos destrói. (1)

Um homem corta cedros, ou pega um cipreste ou um carvalho; assim escolhe dentre as árvores do bosque. Planta um pinheiro, e a chuva o faz crescer. Isso serve para o homem queimar; toma uma parte da madeira e com ela se aquece; acende um fogo e assa o pão; também faz um deus e se prostra diante dele; fabrica uma imagem de escultura e se ajoelha diante dela. Ele queima a metade no fogo, e com isso prepara a carne para comer; faz um assado e dele se farta; depois se aquece e diz: Ah! Já me aqueci, já experimentei o fogo. Então com o resto faz um deus para si, uma imagem de escultura. Ajoelha-se diante dela, prostra-se e dirige-lhe sua súplica: Livra-me, porque tu és o meu deus. Nada sabem nem entendem, porque seus olhos foram fechados para que não vejam, e o coração, para que não entendam. Is 44.14-18 (4)

Se de fato desejamos alcançar a verdade, não podemos buscá-la dentro do espaço-tempo, mas fora, não dentro de si mesmo, mas fora.

5. O Deus triúno que nos salva do niilismo

O homem está entre Deus e os ídolos. Como vimos não há como fugir de adorarmos algo, de termos fé e confiança em algo, na salvação por algo ou alguém, seja este Deus ou um ídolo. O fato é que sempre estaremos adorando e sempre seremos religiosos. O ídolo, porém, nos destrói, enquanto o Deus triúno é aquele que nos criou, nos planejou e planejou todas as coisas. É aquele que criou o universo, que criou cada esfera de nossa existência, e a tudo conhece. O homem caiu em pecado e arruinou a si mesmo e a toda criação. Deus, porém, enviou seu Filho para no poder do Espírito Santo morrer e nos salvar. Agora, através do agir do Espírito Santo em nossos corações, podemos ver a Cristo não apenas na história (Cristo encarnado), mas também no testemunho de todas as coisas criadas (pois toda a natureza demonstra que há um Deus por trás de sua criação) bem como e mais especialmente na sua autorrevelação escrita, inspirada pelo Espírito Santo para a edificação dos seus filhos na imagem de Cristo e para a glória de Deus Pai. (5)

Conclusão

Há uma salvação, há um ser que transcende o nosso espaço e tempo, que nos permite apontar para Ele o sentido de nossas vidas de forma transcendental, encontrar nele as respostas para as perguntas cruciais da vida. Pois Ele não é apenas um ser transcendente, mas um ser pessoal, um ser de amor, que nos criou, nos formou e tudo planejou para honra e glória do seu nome. Deus não apenas está vivo, mas reina e pode nos salvar.

Em 1882, Friedrich Nietzsche anunciou de forma resoluta a morte de Deus. Com isso, ele queria dizer que a crença em Deus simplesmente não era mais viável. Sua intenção era que isso se tornasse o fim da fé. Na realidade, porém, “Deus está morto” é onde a verdadeira fé começa. Na cruz, Cristo, a Glória, condena à morte todas as falsas ideias sobre Deus; e, ao clamar a seu Pai e oferecer-se pelo Espírito (Hb 9.14), dando seu último suspiro, ele revela um Deus além da nossa imaginação. (6)


Referências:

1. CARVALHO, Guilherme de. Fé e Racionalidade. s.l. : L’abri Fellowship Brasil.

2. PLANTINGA, Alvin. Crença Cristã Avalizada. Trad. Desidério Orlando Figueiredo Murcho. São Paulo : Vida Nova, 2018.

3. CAMPOS JR, Heber Carlos de. Amando a Deus no mundo: por uma cosmovisão reformada. São José dos Campos, SP: Fiel, 2019.

4. Bíblia. Século 21. São Paulo : Vida Nova, 2013.

5. BRAUN JR, Guilherme. Um método trinitário neocalvinista de apologética: Reconciliando a apologética de Van Til com a filosofia reformacional. Brasília, DF: Academia Monergismo, 2019.

6. REEVES, Michael. Deleitando-se na trindade. Trad. William Campos da Cruz. Brasília-DF : Monergismo, 2017.