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Diagnóstico e intervenção em saúde: contribuições dos aspectos modais de Herman Dooyeweerd

Escrito por Cristina Valotta, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2022


O profissional de saúde intervém com tecnologias específicas no desempenho da pessoa em todas as fases da vida, considerando seu diagnóstico1 e contexto socio-histórico-cultural. As pessoas e suas experiências de vida são os desafios da área.

A escuta e compreensão da queixa apresentada acontece pela análise dos motivos temporários ou definitivos do problema, resultando na elaboração da proposta terapêutica. O diagnóstico em saúde é um processo analítico, realizado com base no funcionamento das estruturas do corpo, das informações apresentadas pelo paciente e advindas da aplicação de instrumentos validados por métodos científicos. 

O aumento significativo de profissionais especializados, objetivando a melhor compreensão do funcionamento de cada parte da vida, levou a dificuldade na percepção integral da questão apresentada. As experiências cotidianas acontecem sob vários aspectos e somente a compreensão do todo, sem desconsiderar as partes, pode oferecer a visão para o diagnóstico situacional2 ou contexto humano integral. 

Cada indivíduo elege, de maneira consciente ou não, uma maneira de compreender a realidade e estabelecer prioridades e significados para o cotidiano. As experiências ordinárias são multifacetadas. Uma parte afetada, ou uma visão unilateral da situação, pode alterar o funcionamento e a compreensão do todo. O profissional especializado avalia o assunto do seu campo de formação, isto é, a sua parte e, percebendo um problema em outra parte, encaminha o paciente ao especialista correspondente. A falta da compreensão integral do sujeito é uma queixa majoritária, resultante da crescente especialização da intervenção em saúde e da escolha dos métodos científicos que direcionam o raciocínio clínico. As pessoas não se sentem compreendidas pelos profissionais, que consideram exames laboratoriais e protocolos pré-determinados por evidências clínicas para a conduta terapêutica, mas não estabelecem relação empática com a situação específica de quem é o protagonista da queixa.

A proposta filosófica reformacional de Herman Dooyeweerd (1894 – 1977) para interpretar a experiência humana possibilita a formulação integral do diagnóstico situacional. Harmonizando pensamento filosófico e religião, a filosofia da ideia cosmonômica critica a filosofia imanentista ocidental, especificamente a autonomia do pensamento filosófico. Não existe neutralidade nas proposições para compreender a experiência ordinária, pois toda ideia é direcionada por um motivo-base do coração, centro religioso da nossa existência. É inerente à condição humana escolher uma referência para a vida e esse motivo se torna o alvo da devoção, resultando numa relação religiosa. O ego não encontra explicação de maneira autônoma, nem na relação com o outro. Somente considerando a origem divina isto é, a teorreferência intrínseca ao indivíduo, podemos compreender significado e coerência para a identidade do sujeito. 

Dooyeweerd faz uma crítica ao pensamento ocidental, onde a ciência escolhe um aspecto para intervir no fenômeno. Em contraposição, ele adota o método transcendental para explicar a experiência humana e compreender a relação entre a razão, a moral, o direito e a fé. Propõe a análise dos aspectos modais para discernir a realidade, na perspectiva da ordenança criacional de Deus. A filosofia reformacional compreende a fonte divina (princípio de todas as coisas) como geradora de significado para a realidade. O pensamento imanentista busca esse sentido em uma parte da experiência, trazendo reducionismos e elevando esse fragmento priorizado a uma condição divina.

A escala modal e cada núcleo de sentido correspondente, propostos por Dooyeweerd para discernir a experiência, possuem atualizações por estudos mais contemporâneos. Sua configuração atual conta com quinze modos: quantitativo, espacial, cinemático, físico, biótico, sensorial, lógico, histórico, simbólico, estético, jural, ético e confessional. Um aspecto pressupõe o anterior. Por exemplo, o movimento cinemático (deslocamento) precisa acontecer no espaço e implica numa quantidade de um objeto. Os quatro primeiros podem ser aplicados aos objetos inanimados, funcionando ativamente. Para as plantas e animais como sujeitos da experiência, podem ser acrescentados os aspectos biótico e sensitivo. A partir do aspecto lógico, apenas o ser humano pode ser sujeito da experiência.

Avaliar os aspectos de uma situação é se atentar a descrição do “como” ou “de qual maneira” ela ocorre. Estruturas de Individualidade e aspectos não são termos sinônimos. Por exemplo, os fenômenos (físico-químicos) de vida na planta não são, em si, o aspecto biótico; eles são caracterizados por este aspecto. Portanto, a realidade é vivida de maneira singular. A identidade do sujeito não é definida por um aspecto isolado da experiência, nem a simples somatória deles. 

O diagnóstico em saúde com frequência isola um modo e nomeia a experiência do indivíduo. Este passa a compor sua identidade e influenciar toda a realidade vivida. O ser humano funciona em todas as modalidades de maneira integrada, inter-relacionadas na percepção das partes funcionando no todo encontrando identidade em sua origem transcendente. O diagnóstico em saúde não define a identidade do sujeito, apesar de interferir na experiência de vida.

A intervenção em saúde, tanto na elaboração do diagnóstico como na indicação do processo terapêutico, precisa considerar o ponto arquimediano e a origem da queixa apresentada. Dooyeweerd defende que essa busca deva ser transcendente, mais especificamente na esfera da religião. O profissional cristão encontrará o ponto de partida na revelação de Deus ao homem, sendo este o ponto fixo para compreensão do ego e da experiência ordinária. A filosofia da ideia cosmonômica considera a necessidade da análise e qualificação dos aspectos, mas sem aniquilar a identidade da experiência. Ela não diminui a importância do conhecimento especializado para a análise da situação, mas coloca o desafio ao profissional de saúde cristão de recompor a síntese da situação relatada pelo paciente, encaminhando propostas de saúde com implicações integrais e significativas para a vida. 


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1 DIAGNÓSTICO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. 2020. Disponível em: Diagnóstico – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org). Acesso em 27 jun. 2022.

2 TITO, Juliana Contreras; MORAES, Gabriela Cruz de. Diagnóstico situacional: uma possibilidade de avaliação em terapia ocupacional. 2007. 4 p. Artigo acadêmico. CETO — Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional. São Paulo (SP), 2007. Disponível em: Revista 2007 – CETO. Acesso em 27 jun. 2022.


Referências Bibliográficas

DOOYEWEERD, H. No crepúsculo do pensamento ocidental: estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico. Tradução: Guilherme Vilela Ribeiro, Rodolfo Amorim Carlos de Souza. São Paulo: Hagnos, 2010.

KALSBEEK, L. Contornos da filosofia cristã. Tradução: Rodrigo Amorim de Souza. São Paulo: Cultura Cristã, 2015.

OUWENEEL, W. Coração e alma: uma perspectiva cristã da psicologia. Tradução: Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.