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Entre desencontros e o grande Encontro: o drama divino e o ministério da reconciliação

Escrito por Marcela Egito, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023


O homem não foi feito para despedidas. Nós não fomos criados para sentir o vazio da distância com a qual tentamos nos acostumar. Em uma conversa devocional com a sua família, a autora deste artigo refletia sobre os primeiros acontecimentos no Jardim do Éden. Repentinamente, o seu filho mais novo, Tiago, pede um momento de fala para dizer que achou interessante quando a autora do texto que estava lendo, Catherine Vos1, conta, de forma despretensiosa, que Adão e Eva passaram a sentir saudades de suas caminhadas com Deus pelo Jardim. A partir dessa história, podemos explorar o significado da saudade para o ser humano. Lembranças, despedidas, encontros, desencontros e reencontros. São muitas narrativas que permeiam um sentimento que mal conseguimos explicar. Sentimos saudades do cheiro da cozinha de nossos avós, do primeiro animal de estimação que nos fez companhia, da infância repleta de desobrigações. Sentimos saudades do que ainda nem vivemos, da plenitude que Adão e Eva tiveram o privilégio de conhecer e desfrutar. Afinal, de onde vem tanta beleza em um único sentimento?

Inicialmente, para traçarmos uma linha temporal entre os desencontros de nossas vidas até o grande Encontro, exploraremos a doutrina da Criação: de forma bela e majestosa, Deus cria o homem à sua imagem e semelhança. Em seguida, o pecado provoca o desencontro entre o homem e o seu Pai, o primeiro rompimento em nossas vidas, a Queda. Por sua Graça, Deus faz uma promessa redentiva (Gn 3:15): “Chegará o dia em que o descendente de Adão e Eva esmagará a cabeça da serpente, consumando todas as coisas.” Em Cristo, Terra e Céu se encontram. No seu ministério, todos os encontros nos conduzem através do grande drama divino cósmico. Quem vai nos ajudar a entender cada um dos pontos citados nesta introdução é Herman Bavinck, com sua sistematização das doutrinas cristãs, na obra As maravilhas de Deus2

A eternidade em nós

Portanto, pensemos no que está escrito em Eclesiastes 3:11: “Deus fez tudo formoso no seu devido tempo. Também pôs a eternidade no coração do ser humano, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim”. Salomão declara que Deus colocou a eternidade no coração do ser humano. E por mais que as coisas dessa terra sejam boas, não podem preencher o nosso anseio pelo divino. Somos seres teorreferentes e não descansaremos enquanto o nosso coração não repousar no Pai. Bavinck descreve: 

A conclusão, portanto, é a mesma de Agostinho, que disse que o coração do homem foi criado para Deus e não pode encontrar descanso sem repousar no coração do seu Pai. Como consequência, todos os homens estão realmente buscando Deus, como Agostinho também declarou, mas nem todos buscam da maneira certa nem no local correto (…) Eles se sentem atraídos para Deus, e ao mesmo tempo, repelidos por Ele. (BAVINCK, 2021, p. 49). 

Diante disso, a criação especial de Adão e Eva mostra que somos muito diferentes dos animais porque fomos criados “à imagem de Deus”, o ponto mais alto de sua criação, designados a governar o restante da criação. A seguir, entenderemos por que nosso senso de eternidade diz muito mais sobre um estado do que um lugar.

O desencontro

A natureza pecaminosa ainda não existia em Adão e Eva no ato de criação porque foram feitos à imagem de Deus. Contudo, mesmo em suas perfeições, eles foram criados de tal forma que podiam pecar. Em seu livro O Deus Pródigo, Tim Keller3 nos ensina que Jesus não divide o mundo entre os mocinhos morais e os bandidos imorais. Ele nos mostra que todas as pessoas se dedicam ao projeto de autossalvação, usando a Deus e aos outros para obter poder e controle para si mesmas. O desencontro do filho mais novo em relação ao pai era bastante óbvio. Ele deixou o seu pai de forma concreta, fazendo-nos lembrar da separação física do próprio Adão por seu desejo de independência. Fomos corrompidos e afastados de Deus pelo nosso pecado. Não obstante, a partir da Queda, Deus não deixa seus filhos em completo desamparo. A sua Lei significa Graça em nossas vidas e o seu plano para nos trazer de volta do exílio envolve um pacto, que é a promessa da grande reconciliação. 

Assim sendo, o caminho de retorno é uma pessoa, e a casa nos revela uma profunda saudade de um lugar perfeito que nos abriga. A volta verdadeira e final ao lar, como disse Tim Keller, significa uma mudança radical não apenas na natureza humana, mas no próprio tecido do mundo material. Desse modo, Bavinck4 reflete com clareza: “Deus é tão bom e poderoso que pode fazer o bem emergir do mal e o compele a cooperar, contra a sua natureza, com a glorificação do seu nome e o estabelecimento do seu reino”. 

Encontros com Jesus: a grande reconciliação

Portanto, é chegado o Reino de Deus. Jesus esteve entre nós por três anos. O “já e o ainda não” reflete os encontros que nos levam à grande reconciliação. Para isso, não podemos deixar de mencionar a despedida de Cristo do Deus Pai, ou o esvaziamento de si para tornar-se homem. Nisto podemos dizer que toda a vida terrena de Cristo, incluindo o seu próprio nascimento, foi um esvaziar-se contínuo. É por meio de seus atos que Jesus conquista, em nosso lugar, uma salvação que nunca conseguiríamos. Reconhecer esse grande evento nos leva a uma intimidade com Ele, um encontro transformador com o nosso Redentor.

Em seu livro, Encontros com Jesus5, Tim Keller nos leva ao Evangelho de João, mais precisamente, à história das irmãs enlutadas, Marta e Maria. Ao se aproximar do sepulcro de Lázaro, em vez de sorrir pelo milagre que estava prestes a fazer, Jesus chorou. Ele amava profundamente Lázaro, mas nesse ato de ressurreição de seu amigo notamos o quanto Ele nos amava. O Deus-homem adentrou em nossa história. Olhando para o nosso mundo, vislumbramos o que Ele criou sendo destruído pela morte. E, a partir do seu coração cheio de dor, é possível acreditar no reencontro e na recriação de todas as coisas. “Antes o homem deveria escalar até Deus para ter plena comunhão com ele; agora, Deus desce até o homem e busca um lugar de habitação em seu coração” (BAVINCK, 2021, p.).

O grande Encontro: à espera do Noivo

Dessa maneira, ao se despedir pela segunda vez de cada um dos apóstolos, Jesus deixa o seu Espírito Santo para edificar a igreja, ajudando-a a perseverar até o fim. Na gloriosa ascensão, Ele confirma a promessa de sua volta. O conflito entre o descendente da mulher e o da serpente já havia sido anunciado. A vitória é prometida ao primeiro; contudo, será uma grande luta, representando o momento do grande Encontro. Como uma noiva se prepara para seu Noivo, assim devemos nos preparar para sermos conduzidos por suas mãos ao altar, de volta ao lar.

Por fim, ao longo de todo o drama divino, conectamos a vida terrena à eternidade sob a perspectiva de um encontro. Quando pensamos na obra do Senhor Jesus por seu povo, a igreja, a morte física é apenas um até breve. Em Cristo, Deus Pai reconciliou consigo o mundo. Ele nasceu para morrer e, paradoxalmente, para que a morte deixasse de ser uma mera despedida e apontasse para o grande Encontro. Ele nasceu para ser a própria despedida e, simultaneamente, o reencontro. Retomando ao início dessa história, por toda a eternidade não mais sentiremos saudades porque estaremos caminhando por sua Cidade, enquanto contemplamos a sua Glória.


1 VOS, Catherine. Histórias bíblicas para crianças: Contadas por uma mãe a seus filhos. Tradução Karis B. G. Anglada Davis e Juliana de Assis Fontoura. 1. ed. Belo Horizonte. Shema Publicações, 2019. 

2 BAVINCK, Herman. As maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Tradução de David Brum Soares. São Paulo: Pilgrim Serviços e Aplicações; Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021, 736 p.

3 KELLER, Timothy J. O Deus pródigo. Tradução: André Jenkino. 2. edição. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2016.

4 BAVINCK, op. cit., p. 291.

5 KELLER, Timothy J. Encontros com Jesus. Trad. Eulália Pacheco Kregness. 1. edição. São Paulo: Vida Nova, 2016. 240 p.


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Referências bibliográficas

BAVINCK, Herman. As maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Trad. David Brum Soares. São Paulo: Pilgrim Serviços e Aplicações; Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021.  736 p.

KELLER, Timothy J. Encontros com Jesus. Trad. Eulália Pacheco Kregness. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2016. 240 p.

KELLER, Timothy J. O Deus Pródigo. Trad. André Jenkino. 2. ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2016. 112 p.

VOS, Catherine. Histórias bíblicas para crianças: Contadas por uma mãe a seus filhos. Tradução Karis B. G. Anglada Davis e Juliana de Assis Fontoura. 1. edição. Belo Horizonte. Shema Publicações, 2019. 192 p.