Resenha escrita por Eliceli Katia Bonan, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2021
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. 1ª ed. Trad. A. G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2017.
Publicado em 2017 pela Vida Nova, o livro Pregação, do conhecido autor Tim Keller, é um valioso presente aos leitores brasileiros interessados no tema da comunicação da fé. Neste livro, em suas 286 páginas, para além de um manual de homilética, Keller apresenta ao leitor uma teologia bíblica da pregação, recheada da sabedoria adquirida em seus muitos anos como pregador. Porém, não é apenas um livro teórico. O autor conclama seus leitores a pensarem melhor, e a trabalharem melhor, para cumprir a tarefa de comunicar o Evangelho de forma mais bíblica e que faça sentido ao contexto cultural em que está sendo proclamado. Seguindo o estilo de suas pregações, o conteúdo do livro é simples e prático, mas de uma profundidade impressionante.
O material está organizado em cinco secções. Na primeira (p. 11-33), um prólogo e uma introdução apresentam a obra, a partir das discussões do que faz de um pregador excelente, e quais são as características de uma boa pregação. Na introdução, Keller aborda a comunicação da fé em seu sentido abrangente, falando de três níveis dentro do ministério da Palavra, estando, de um lado, a comunicação em contextos informais, de evangelismo, e, na extremidade mais formal, os sermões, ou seja, a pregação em si (p. 28).
Em seguida, o livro é dividido em três partes, que enfocam: 1) pregar a Palavra de maneira cristocêntrica; 2) pregar às pessoas em sua cultura; e 3) pregar no Espírito. A parte um (p. 37-111), intitulada “Servindo à Palavra”, conta com três capítulos. No capítulo um (p. 37-61), Keller defende a pregação expositiva como a forma mais pura de pregação, apresentando seis argumentos para isso. Ainda oferece algumas advertências sobre os riscos de uma compreensão rígida da pregação expositiva. O capítulo conta com ricas notas explicativas, em que o leitor encontra tanto a síntese de discussões teológicas complexas quanto exemplos de séries de pregações utilizados pelo autor em sua igreja local.
No capítulo dois (p. 63-85), Keller apresenta uma discussão sobre o legalismo e o antinomismo como os dois principais inimigos do Evangelho em nossos dias: são o extremo de um mesmo problema, dois lados da mesma moeda ou, nas palavras de Keller, citando Sinclair Ferguson, são “gêmeos idênticos do mesmo ventre” (p. 69). Isso porque ambos têm uma visão distorcida da graça de Deus. O primeiro vê a lei como a forma de alcançar e agradar a Deus (não há lugar para a graça); o segundo, por sua vez, vê a lei como obstáculo à liberdade dos indivíduos e não como graça de Deus para nosso crescimento pessoal. Para fugir desses inimigos, é preciso pregar o Evangelho sempre, apontando para a Queda e a Redenção em todos os sermões. No capítulo três (p. 87-111), o autor aprofunda o tema do capítulo anterior, agora defendendo a necessidade de pregar a Cristo sempre, em cada sermão, o tempo todo. Todas as passagens da Bíblia apontam para Cristo e é tarefa do pregador buscar Cristo em cada uma, para então apresentá-Lo aos seus ouvintes.
A parte dois (p. 115-228), intitulada “Alcançando as pessoas”, é a mais extensa e substancial do livro. Aqui, o autor apresenta três capítulos sobre a contextualização e o engajamento cultural como estratégias de alcance às pessoas em seu tempo e como requisito para a boa pregação. No capítulo quatro (p. 115-152), encontramos uma abordagem bastante útil para refletir sobre como pregar a pessoas desconhecidas, céticas ou incrédulas. Ele apresenta o princípio missiológico de “contextualização”, a necessidade de adaptação para confrontar — buscando compreender os conceitos culturais para poder dar a eles novo significado —, a necessidade de usar vocabulário acessível ao público, dentre outros princípios. São importantes orientações de como se engajar em um diálogo com um público pós-moderno sem comprometer o Evangelho bíblico.
O capítulo cinco (p. 153-193), por sua vez, tem a proposta de orientar pregadores na desafiadora tarefa de comunicar a autoridade bíblica para as mentes modernas, que acreditam ser suas próprias autoridades. Nele, o autor apresenta sua abordagem das cinco narrativas culturais básicas, discorrendo sobre os conceitos centrais de cada uma e como confrontá-las com o Evangelho. A pesquisa de Keller não só mostra suas opiniões sobre a cultura moderna e pós-moderna, mas pode servir aos pregadores como valiosa ferramenta para refletir sobre o contexto de seus ouvintes, para que possam trabalhar melhor na aplicação de seus sermões.
Encerrando essa parte, o capítulo seis (p. 195-228) apresenta conselhos práticos de como pregar ao coração dos ouvintes — sua mente, vontade e emoções. Não basta um sermão ser bíblico e bem elaborado. Se for tedioso, não vai alcançar seu propósito. Keller, então, dá recomendações de como pregar às afeições, de forma imaginativa, maravilhosa, memorável, cristocêntrica e prática.
A parte três (p. 231-248), chamada de “Em demonstração do Espírito e de poder”, é composta por um único capítulo, o capítulo sete. Enquanto o capítulo anterior abordou a pregação ao coração e a pessoa do pregador convencendo aos ouvintes, neste lemos sobre a persuasão que vem do Espírito Santo. Keller aponta para a conexão inevitável entre a integridade dos pregadores e a eficácia do sermão, bem como dá aos leitores alguns caminhos para convidar o Espírito a fazer parte da pregação.
Por fim, a obra encerra com um apêndice mais prático, em que se encontra a sugestão de um processo de elaboração de sermão expositivo. Para isso, Keller apresenta quatro diretrizes principais: 1) entender o objetivo do texto; 2) escolher um tema principal para o sermão; 3) criar um esboço em torno do tema; e 4) materializar os pontos do esboço com argumentos, ilustrações, aplicação prática etc.
A obra de Keller é substancial. Em vários momentos, para além de uma leitura teológica, o texto fala “ao coração”: é fluido, tem um estilo de fácil compreensão, quase de caráter devocional. É alimento não só para as mentes em busca de uma boa discussão teológica, como também para os corações que queiram ser alimentados por boa teologia sobre a vida centrada em Cristo, graça, cosmovisão e como interagir com as narrativas ocidentais, especialmente as de contextos urbanos. Keller não se detém tanto em princípios exegéticos de como elaborar um sermão, sendo a maior riqueza desta obra os seus conselhos de como pensar e trabalhar mais arduamente para pregar melhor.
Recomendo fortemente o livro Pregação a todo cristão que lê a Bíblia e é ouvinte de sermões! Ainda que não tenha a responsabilidade de entregar sermões a um público ouvinte, o leitor poderá ser beneficiado ao longo dos capítulos. São abundantes e práticas as orientações de como apresentar melhor o Evangelho, de modo de seja melhor recebido pelos interlocutores, e cumpra seu papel de transformar vidas cansadas, confusas ou céticas. Recomendo a leitura em sua totalidade: as notas de rodapé/explicativas estão entre as mais longas que já vi e igualmente entre as mais interessantes e profundas.