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Introdução à hermenêutica bíblica: resenha

Escrita por Helio Lopes Neto, estudante do Programa de Tutoria – Turma Essencial 2021

Introdução à Hermenêutica Bíblica foi publicado pela primeira vez em 1994 na língua inglesa, pelos escritores norte-americanos Walter C. Kaiser Jr. e Moisés Silva. Tem 288 páginas, divididas em 4 partes, subdivididas em 15 capítulos. Conforme seu subtítulo, intenta uma instrução à apreensão da Palavra de Deus, a Bíblia cristã, em uma época marcada por interferências e contradições. 

Como que em uma seção introdutória, a primeira parte (intitulada “A busca por significado: orientações iniciais”) determina o público-alvo e o propósito do livro. Em seu primeiro capítulo, Silva apresenta a necessidade de um entendimento intencional de uma saudável hermenêutica, visto que estamos a todo tempo criando interpretações em textos e relações pessoais, de maneira inconsciente e por vezes não refletida. Enumera, em seguida, barreiras históricas e gramaticais envolvidas na compreensão de textos, citando o clássico Otelo como exemplo – dificilmente assimilável, mesmo para os falantes do inglês moderno. Com essa questão, o autor descreve o método “gramático-histórico” (2014, p. 19) como suficiente para abarcar uma atenção à linguagem e ao contexto dos escritos, para em seguida expor o caráter dual das Escrituras, como divinas e humanas, o que contempla a necessidade de uma hermenêutica superior, com princípios particulares.

Kaiser, no segundo capítulo, descreve a importante transformação do entendimento do conceito de “significado” do século 20: discute-se aqui abordagens referentes a fatores objetivos – a intenção do autor, seu contexto, dentre outros dados históricos – e subjetivos, relacionados às circunstâncias dos leitores e suas expectativas. Lista, a partir disso, quatro métodos empregados para obtenção de significado no texto bíblico, a saber: texto-prova, que não leva em conta os contextos, mas busca trechos para amparar pensamentos já existentes; histórico-crítico, o qual compreende análises técnicas, de pouca implicação espiritual e prática; método de resposta do leitor, que entrega as rédeas da interpretação ao intérprete somente, conferindo ao texto total subjetividade prática; sintático-teológico, iniciado no estudo histórico e gramatical de escritos, procedido pelo entendimento de sua relevância dentro do cânon e sua aplicabilidade contemporânea. 

No terceiro capítulo, redigido por Silva, é apresentado o argumento da linguística, e busca-se apresentar um equilíbrio entre a utilização das distantes línguas originais e as familiares traduções da Bíblia. Grego antigo e hebraico não são mandatórios à vida de todos os cristãos, mas essenciais na formulação de doutrinas e no ensino de questões teológicas; quando são empregados, cabe ao intérprete cautela para evitar falácias exegéticas e aplicações anacrônicas.

A segunda parte, de nome “Compreendendo o texto: o sentido nos gêneros literários”, atribui diretrizes e sentido aos diferentes gêneros encontrados nas Escrituras. O quarto capítulo, escrito por Kaiser, refere-se à leitura de narrativas, que compreende a identificação de cenas, o ponto de vista do autor, diálogos e outros recursos retóricos: narrativas não podem ser entendidas como relatos históricos imparciais e objetivos. O quinto capítulo, também de Kaiser, dá sentido aos livros com maiores exigências à compreensão: na poesia, conhecer recursos especiais como paralelismos e concisão de formas é necessário para maior entendimento; textos sapienciais envolvem a distinção de múltiplos subtipos, objetiva aplicar à nossa vida os desígnios divinos. Silva aborda os evangelhos no sexto capítulo, com razões pelas quais Jesus ministrou por parábolas ao distinguir seus verdadeiros seguidores, e expõe que informações acerca do público original e sua cultura agregam sentido superior aos leitores dos períodos subsequentes. O tema do sétimo capítulo são as epístolas: Silva expõe o conteúdo de cartas paulinas para exemplificar a necessidade de uma leitura concisa e consciente do texto ao compará-lo a correspondências modernas, com a particularidade de tornarem-se parte da Escritura. No capítulo oito, de Kaiser, a estrutura das profecias é abordada, quanto à sua missão de proclamar verdades divinas para uma congregação e sua cultura específica, e posteriormente quanto à complexidade de seus cumprimentos.

A terceira parte da obra recebeu o título de “Respondendo ao texto: significado e aplicação”, e compreende três capítulos de linguagem bastante funcional. Foi composta inteiramente por Kaiser, e apresenta, de início, a importância do uso devocional da Palavra e sua aplicabilidade em nossas vidas: sua acessibilidade foi conquistada pelos reformadores e é amparada pelo Espírito Santo. Em seguida, expande o diálogo entre a cultura e a Bíblia, empreendendo uma abordagem etno-hermenêutica que reconhece a necessidade da contextualização, por estudo e reflexão, de aplicação e de conscientização de nossa própria bagagem cultural. No último capítulo desta seção, o uso teológico das Escrituras é abordado através de uma sistematização de exegese (informações que partem do texto) e do reconhecimento das Escrituras como concordantes em sua completude, o que pode gerar doutrinas e diretrizes para a vida na igreja de maneira saudável.

Por fim, na parte quatro, denominada “A busca por significado: outros desafios”, os escritores ostentam uma revisão bibliográfica da interpretação bíblica, a partir dos estudantes judaicos, e sucessivamente percorrendo os escritores do Novo Testamento, os pais da igreja (nas relevantes escolas de Alexandria, de Antioquia e do Ocidente), a Idade Média, a Reforma e o Pós-Reforma. Prontamente, a obra de escritores contemporâneos, como Barth, Bultmann, Gadamer e Hirsch é criticamente analisada e exposta como responsável pelas mudanças mais significativas na hermenêutica. Há então uma conclusão muito explicativa sobre o trinômio da autonomia do texto, do papel do leitor e da intenção do autor na abordagem bíblica. Silva dedica o capítulo 15 a uma análise do pensamento de Calvino quanto à relação entre teologia e exegese, elementos interdependentes: devemos reconhecer nossos pressupostos, e não reprimi-los, para então utilizá-los na interpretação. Em suas considerações finais, Kaiser sintetiza os cuidados necessários à aplicação do produto de nossa interpretação, o que lhe emprega sentido.

O leitor que busca conhecimento sobre interpretação bíblica encontrará em “Introdução à Hermenêutica Bíblica” diversos princípios norteadores e teologicamente equilibrados para iniciar seus estudos. Não é intenção dos autores apresentar o conteúdo de maneira exaustiva ou rigidamente técnica, mas é evidente que uma apresentação de tamanha clareza e simplicidade explicita o domínio de Kaiser e Silva sobre os temas empregados: todo o receio de aproximar-se de tratados enfadonhos e datados é dissipado pelo brilhantismo prático do livro.


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KAISER, W. C.; SILVA, M. Introdução à Hermenêutica Bíblica: como ouvir a Palavra de Deus apesar dos ruídos da nossa época. 3. ed. Trad. Paulo C. N. dos Santos; Tarcízio J. F. de Carvalho; Suzana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.