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O encantamento do mundo pela glória de Deus e as forças motrizes do modernismo: em diálogo com Jonathan Edwards

Escrito por Emanoel Ferreira Cardoso, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023


Introdução

Muitos pensadores fizeram proveitosas contribuições para uma filosofia cristã ao longo da história, mas poucos foram tão argutos quanto o pastor da Nova Inglaterra, Jonathan Edwards. No polvoroso contexto do século XVIII, o jovem ministro lidou com inúmeras e efervescentes questões determinantes para o curso do pensamento humano e, sem temor, colocou-se na frente de batalha para dialogar, argumentar e responder às pretensas filosofias da razão humana que vinham tentando sustentar-se pelos próprios cabelos desconsiderando, cada vez mais, o Criador como fonte de todo conhecimento. 

O trabalho primoroso feito por Edwards é fruto da certeza da fé em seu coração, de uma mente brilhante exercitando-se continuamente a fim de glorificar a Deus e trazer outros ao mesmo encantamento pela glória de Deus que preenchia seu coração. Como Smith, Stout e Minkema apontam em sua primorosa obra, Jonathan Edwards: uma antologia: “Tal como Agostinho procurou conciliar a piedade com as formas mais elevadas de conhecimento secular no mundo latino da lógica e da retórica, Edwards procurou conciliar piedade com a nova era científica e filosófica iniciada por Newton e Locke” (SMITH, STOUT, MINKEMA, 2022, p. 8). Diante disso, o intuito deste ensaio é evidenciar, mesmo que apresentando apenas a ponta do iceberg, a magnitude do projeto filosófico e a profícua atuação deste gigante puritano em seus dias que, sem dúvidas, ecoam até os dias atuais.

O contexto filosófico de Jonathan Edwards

O pastor Jonathan Edwards viveu e fez, tanto sua filosofia quanto teologia, sob os auspícios do Iluminismo. O ceticismo do pensamento moderno e o grande cisma entre fé e razão estavam prestes a atingir seu clímax. No contexto imediato de Edwards, o crescimento vertiginoso da população em Connecticut não foi acompanhado pela formação espiritual e compromisso da membresia eclesiástica. Alguns ministros também não se atentaram às mudanças, trazendo os corações dos fiéis ao púlpito como lugar de formação em todos os sentidos da vida. Logo, eram perceptíveis os valores vigentes do secularismo iluminista adentrando as igrejas e trazendo tensões com eles.

Todavia, não foi apesar da gigante onda iluminista e do contexto tensionado pelo pensamento humanista que Edwards produziu sua teologia e filosofia, mas, precisamente, em resposta a esses desafios. Antes, neste terreno pedregoso, ele buscou reencantar as pessoas com a beleza da criação e da glória de Deus. Como já dito, a chama do seu árduo labor filosófico, que buscava fundamentar a razoabilidade da fé cristã em seus dias, era aquecida por seu amor à glória de Deus. Como afirmam Smith, Stout e Minkema sobre a agudeza do pensamento filosófico deste gigante puritano:  

Em suas anotações concernentes aos tratados Sobre o Ser e A mente, não publicados senão depois de sua morte, Edwards expôs os brilhantes argumentos filosóficos que confirmariam sua reputação. À semelhança do grande filósofo irlandês George Berkeley, Edwards aqui define espírito como a verdadeira substância e a existência como uma emanação divina da mente de Deus. Mas, ao contrário de Berkeley, Edwards resiste a uma dúvida completa sobre o ‘mundo  externo’, insistindo em que ‘as coisas estão onde parecem estar’. No outro extremo, em oposição a Descartes, Hobbes e outros que postulavam a existência autônoma e separada da matéria, ele insistia na primazia da consciência de Deus que sustenta tudo. Edwards tinha um senso tão vasto da soberania divina que, para ele, se a consciência de Deus cessasse mesmo por um instante, o próprio universo deixaria de existir. Mediando, dessa maneira, entre Berkeley, de um lado, e Locke, Descartes e Hobbes, do outro, o jovem Edwards esperava resgatar o cristianismo do peso opressor do racionalismo e da inércia paralisante do ceticismo (SMITH, STOUT e MINKEMA, 2022, p. 12).

Assim, Edwards manteve-se na ponta da lança, lidando com a filosofia pungente de seus dias, e o fez firmado sobre sua herança puritana calvinista, sempre aquecida pelo amor à glória de Deus.

Teologia e filosofia para a glória de Deus

Embora soe estranho aos ouvidos uma filosofia que glorifique a Deus, isso não deveria acontecer. Muitos outros o fizeram antes de Edwards e ele, sem dúvidas, é um gigante que continuou este legado. O pastor filósofo buscou encontrar na santidade e na glória de Deus aquilo que, de forma mais precisa, define, perpassa e é próprio de nossa realidade temporal. Em seu veemente texto Beleza do Mundo, ele inicia afirmando categoricamente que “a beleza do mundo consiste inteiramente em agradáveis consentimentos mútuos, seja dentro de si mesmo, seja com o Ser Supremo” (EDWARDS in SMITH, STOUT e MINKEMA, 2022, p. 59). 

Logo, não é de admirar que Edwards visse os seres criados como “sombras” da beleza espiritual. Um belo contorno desta concepção de realidade para o filósofo puritano encontra-se um pouco à frente do trecho citado acima, em Beleza do Mundo:

Quanto ao mundo corpóreo, embora haja muitos outros tipos de consentimento, ainda assim a beleza mais agradável e encantadora deste mundo é sua semelhança com belezas espirituais. O motivo é que as belezas espirituais são infinitamente as maiores, e os corpos, sendo apenas as sombras de seres, necessariamente são tão mais encantadores quanto mais representam como sombras as belezas espirituais. Essa beleza é peculiar às coisas naturais, superando a arte do homem (EDWARDS in SMITH, STOUT e MINKEMA, 2022, p. 59).

É importante mencionar que, com o termo sombra, Edwards não o fez como usado como os neoplatônicos, que utilizaram o mesmo termo em sua filosofia. Antes, o fazia com fundamentos bíblicos e com implicações criacionais. Os seres criados são ontologicamente distintos do Criador, mas, ainda assim, não podem subsistir sem Ele. Logo, a beleza pode ser compreendida como uma categoria moral que traduz a santidade de Deus e, por isso, lhe rende glória. 

Essa talvez seja uma das mais fundamentais convicções de Edwards e a que mais o impulsionou a fazer notáveis contribuições em filosofia natural, como facilmente percebido na famosa Carta sobre a Aranha, endereçada à Royal Society, em Londres. É facilmente percebido que a pena de Edwards tinha intenção última de reencantar os homens com a beleza do mundo e da natureza que vinham sendo desencantados pelo Iluminismo que ferozmente avançava em sua época.  

Conclusão

Provavelmente, Jonathan Edwards seja mais conhecido por um de seus mais famosos sermões, Pecadores nas mãos de um Deus irado, que nos apresenta a profunda noção da Queda no pecado que a humanidade sofreu e a inegável necessidade de Cristo Jesus como Redentor. Contudo, a proficuidade da obra de Edwards também se edifica no sólido entendimento bíblico de que “a realidade criada está toda ela permeada de indícios de verdades divinas, caso consigamos tão somente remover as escamas dos olhos para enxergá-las” (SMITH, STOUT e MINKEMA, 2022, p. 12).

O desencantamento do mundo, como implicação inevitável da filosofia produzida nos moldes iluministas, só poderia ser combatido por uma compreensão que partisse da revelação do Deus da verdade como princípio de inteligibilidade da realidade à nossa volta. Portanto, o posicionamento e produção filosófica desse gigante não ficariam presos em seu tempo, mas continuariam a instigar e impulsionar a produção de uma filosofia que glorificasse a Deus e encontrasse nele o princípio e a finalidade de todo conhecimento verdadeiro. 


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Referências bibliográficas

SMITH, John E., STOUT, Harry S. e MINKEMA, Kenneth P. (org.) Jonathan Edwards, uma antologia: Escritos públicos e pessoais. Tradução: Márcio Loureiro Redondo. São Paulo, SP: Vida Nova, 2022. 384 p.