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Resenha crítica: Filosofia: Antiguidade e Idade Média

Escrita por Thiago de Azevedo Almeida, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023


ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. Filosofia: Antiguidade e Idade Média, vol. 1. Tradução: José Bortolini. Edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2017. 704 p.


Giovanni Reale (1931-2014) e Dario Antiseri (1940) são dois importantes filósofos italianos que contribuíram à filosofia e história da filosofia, destacando-se, especialmente, na colaboração desta obra, sendo este o primeiro de três volumes de uma série dedicada à história da filosofia ocidental. O livro em questão é dividido em doze partes, as quais abordam, conforme aduz seu subtítulo, as filosofias antiga e medieval. A presente resenha abarcará as seis primeiras partes, que tratam da antiguidade.

Como ocorre tradicionalmente em livros a respeito da história da filosofia ocidental, a primeira parte é dedicada aos filósofos pré-socráticos e possui quatro capítulos. O primeiro capítulo funciona como uma breve introdução à filosofia, demonstrando suas raízes nas formas religiosas gregas e apresentando o objetivo da filosofia como: “explicar a totalidade das coisas”, por meio de uma “explicação puramente racional”, visando “conhecer e contemplar a verdade” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 19-20). A partir de então, os autores passam a discutir os principais filósofos e escolas filosóficas pré-socráticas, começando com os naturalistas (capítulo dois), como Tales, Anaximandro e Pitágoras, cuja preocupação principal envolvia o “princípio” (arché) de todas as coisas. Em seguida, passam pelos filósofos que se concentravam na natureza do ser (capítulo três), como Parmênides e Zenão, finalizando com os físicos pluralistas (capítulo quatro), assim chamados por defenderem a multiplicidade do princípio das coisas, como Empédocles e Demócrito.

A segunda parte possui três capítulos e aborda os sofistas (capítulo cinco), Sócrates (capítulo seis) e o nascimento da medicina (capítulo sete). No capítulo cinco, é explicado que o termo “sofista” significa “sapiente”, “perito do saber” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 71), mas ganhou conotação pejorativa, como “enganador”, em virtude da polêmica de Platão e Aristóteles, que criticavam severamente os sofistas, acusando-os de não se interessarem pela verdade, mas pelo lucro. Em que pesem as críticas desses dois grandes filósofos gregos, os autores demonstram a importância dos sofistas para o desenvolvimento da filosofia, porquanto trouxeram reflexões a respeito de ética e política, além de terem iniciado o “período humanístico da filosofia antiga” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 71), uma vez que houve um “deslocamento do eixo da busca filosófica do cosmo ao homem” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 80).

No capítulo sobre Sócrates, os autores mencionam que o filósofo ateniense iniciou “a tradição moral e intelectual sobre a qual a Europa se construiu espiritualmente” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 85), revelando sua importância para história da filosofia. O capítulo trata, ainda, da ética socrática e sua ênfase racionalista, pois depende do conhecimento da virtude, bem como descreve o método socrático, o qual levava o interlocutor a, por um lado, reconhecer sua ignorância e, por outro lado, descobrir a verdade por meio do diálogo. Além disso, apresenta as diferentes escolas filosóficas que se desenvolveram em virtude da influência de Sócrates, incluindo os cínicos, os cirenaicos e os megáricos. O breve e último capítulo da segunda parte trata da gênese da medicina científica como fruto da filosofia dos naturalistas (apresentada no capítulo dois), especialmente pelos esforços de Hipócrates, considerado seu fundador.

A terceira parte, tendo um capítulo, é dedicada inteiramente a Platão. No início, os autores apresentam, brevemente, a vida e obra do filósofo, discutindo, em seguida, seus principais ensinos. É destacado que o ponto fundamental para se compreender não somente o projeto platônico, mas “todos os problemas da filosofia e o novo clima espiritual que é o pano de fundo para esses problemas e suas soluções” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 130) reside em sua teoria das Ideias, especialmente naquilo que o filósofo ateniense chamou de “segunda navegação”, ou seja, o reconhecimento de que existem dois planos do ser: o mundo visível (relativo à matéria e acessado pelo corpo/sentidos) e o mundo invisível (relativo à forma e acessado pela mente/alma). A partir dessa estrutura, Platão concebe, por exemplo, que o ser humano é constituído pelo corpo (componente sensível, sendo a raiz dos males e vícios) e pela alma (componente suprassensível, sendo a verdadeira essência do homem). Os autores também expõem a concepção platônica acerca do conhecimento, arte e política, finalizando com os sucessores de Platão na Academia fundada por ele. 

Semelhante à parte anterior, a quarta é dedicada a Aristóteles. Após resumida apresentação biográfica do filósofo estagirita, os autores detalham seu pensamento, explicando, inicialmente, que Aristóteles distinguiu três grandes ramos científicos:  ciências teoréticas, práticas e poiéticas, ou produtivas, a partir das quais este capítulo é organizado. Aristóteles entende que as ciências teoréticas, que incluem a metafísica, física, psicologia e matemática são as mais dignas de valor, porquanto “buscam o saber por si mesmo” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 195). As ciências práticas (ética e política) são hierarquicamente inferiores às teoréticas, uma vez que o saber é utilizado como um meio para se alcançar o objetivo prático de aperfeiçoar a conduta dos homens. As ciências poiéticas tratam de diversas artes ou técnicas relacionadas à produção de coisas, instrumentos e são as mais inferiores, pois se referem a um saber direcionado ao objeto produzido. Os autores concluem esta parte relatando a rápida decadência da escola fundada por Aristóteles.

A quinta parte, intitulada O helenismo e suas escolas, possui seis capítulos e apresenta um panorama histórico e filosófico do período helenístico, tendo como marco inicial a grande expedição de Alexandre, o Grande, no século IV a.C., com seu “projeto de monarquia universal divina” (ANTISERI; REALE, 2017, p. 255). No capítulo décimo, os autores descrevem as profundas mudanças sociais, políticas e espirituais ocorridas na cultura grega devido às conquistas de Alexandre Magno que, ao tempo em que difundiram o pensamento helênico, este também sofreu influência de culturas de outros povos. Nesse contexto, os autores apresentam as escolas cínica (capítulo onze), epicurista (capítulo doze), estoica (capítulo treze), cética e eclética (capítulo catorze), demonstrando como cada uma delas buscou compreender e responder aos novos tempos e desafios, concentrando-se nas questões éticas. Esta parte finaliza com um capítulo destinado a uma avaliação acerca do desenvolvimento da ciência helenística (como matemática, mecânica, astronomia, geografia, medicina) e suas conquistas durante esse período.

Por fim, a sexta parte dedica quatro capítulos a fim de expor a transição do pensamento grego para o romano, bem como a inevitável influência mútua de um no outro. Os autores explicitam as transformações ocorridas no estoicismo (capítulo dezesseis), o retorno renovado de algumas escolas gregas, mas agora moldadas pela cultura romana, tais como ceticismo, cinismo e aristotelismo (capítulo dezessete), com especial ênfase no neoplatonismo (capítulo dezoito) que terá grande relevância no período medieval. No último capítulo da sexta parte (capítulo dezenove), os autores expõem brevemente o pensamento de dois expoentes da astronomia e medicina da era imperial romana, Ptolomeu e Galeno, respectivamente. O capítulo termina relatando a destruição da biblioteca de Alexandria, em 641 d.C., que marcou o fim da ciência no mundo antigo.

Ainda que o objetivo da obra seja percorrer o extenso e profícuo período da filosofia grega, os autores não o fazem superficialmente. Antes, conseguem expor de forma aprofundada o pensamento dos filósofos abordados. Isso é realizado, ainda, por meio da adição de textos de aprofundamento ao final de alguns capítulos que enriquecem ainda mais o conteúdo tratado. Além disso, os escritores são pródigos em explicar de forma clara e acessível assuntos abstratos que poderiam tornar-se difíceis e obscuros. Ademais, a própria diagramação do livro auxilia o leitor a compreender melhor os assuntos ao inserir nas margens os tópicos tratados nos respectivos parágrafos. Em conclusão, as seis primeiras partes alcançam o propósito de oferecer um panorama didático e compreensível acerca da filosofia na antiguidade.