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Resenha: Teologia Bíblica

Escrita por Lucas Ferreira Rodrigues, estudante do Programa de Tutoria – Turma Essencial 2021

Após analisar o desenrolar da História da Revelação Especial de Deus ao longo do Antigo Testamento (AT), Geerhardus Vos dedica-se a fazer o mesmo com o Novo Testamento (NT). Entretanto, assim como no AT, Vos faz um recorte narrativo. Ele não comenta detalhadamente sobre todos os acontecimentos escriturísticos, mas faz escolhas, segundo aquilo que ele julgou mais essencial de estar na composição de sua teologia bíblica. Sendo assim, ficou fora de sua seleção a revelação no período dos apóstolos. Todavia, o leitor não ficará desapontado por causa disso. Vos permanece bastante profícuo em sua exposição.

No primeiro capítulo, “A estrutura da Revelação do Novo Testamento”, Geerhardus apresenta o pano de fundo histórico e emocional que recebeu o Messias. A expectativa messiânica expressava uma relação de continuidade com AT e estava prestes a ser cumprida no sangue de Cristo[1]. A iminente novidade configurava-se em uma nova administração do pacto da graça, em uma aliança plena, que trouxe um novo relacionamento religioso entre o Senhor e os seus discípulos. Nessa estrutura, Jesus ocupa o centro da revelação, sendo ele quem energiza todo processo revelacional do NT. Porém, Vos adverte, que ainda assim, Jesus não é o único expositor da verdade. Os evangelistas e os apóstolos cumprem o seu propósito de expor a “boa nova”[2] depois da ascensão de Jesus.

O segundo capítulo dedica-se à “Revelação em relação à natividade”, em que o nascimento do Cristo encarnado é visto, nas palavras de Vos, como “o movimento vertical do céu para a terra, do divino para o humano, no qual o Messias preexistente aparece entrando em natureza humana, o supra-histórico descendo ao curso da História.”[3]. Trata-se da promessa de Yahweh aos patriarcas adquirindo agora uma forma concreta e viva na realidade. Nasceu o menino Jesus!

No terceiro capítulo, “A revelação em relação a João Batista”, Geerhardus inicia fazendo uma defesa contra as interpretações que colocam João Batista em antagonismo com Jesus. Na verdade, segundo o próprio Jesus, ele é “mais do que um profeta”; é a voz que clama no deserto, o responsável por preparar o seu caminho ministerial. Aqui, João ocupa uma posição intermediária na História da Revelação, que está, precisamente, entre as expectativas messiânicas dos profetas e a concretização da nova aliança em Cristo[4]. O seu batismo, distinto de outros ritos batismais sujeitos à repetição infindável, era de uma vez por todas. Assim, o batismo joanino é especial porque ele é prospectivo (ou preparatório), isto é, aponta escatologicamente para a nova aliança, sendo um selo da graça seguida de um arrependimento verdadeiro[5]. Além disso, é retratado que o batismo de Jesus, “foi acompanhado de dois eventos de suprema importância: a descida do Espírito Santo e a anunciação do céu sobre a filiação de Jesus e a sua messianidade”[6]. Se nos profetas, o impacto do Espírito era abrupto e incontínuo; em Jesus, o impacto do Espírito é contínuo e condutor de cada palavra e ato executado por ele. No evento batismo, Deus está recriando a sua criação[7].

O quarto capítulo compete a pensar a “Revelação na provação de Jesus”. Nesse episódio, Satanás tentou fracassadamente atacar o ponto central do qual dependia todo o plano redentivo de Deus: a aprovação de Jesus como Messias[8]. Por isso, esse é um momento ímpar no curso ministerial de Jesus Cristo, pois é objetivamente o acontecimento que comprova a sua aptidão para ser o Messias. Na provação do deserto, Jesus está fazendo exatamente o que o primeiro Adão foi incapaz de fazer. Ele é o segundo Adão (Rm 5) cumprindo em plena obediência e temor a Deus o pacto das obras. Em sua argumentação, Geerhardus ainda evoca a indispensabilidade de na provação haver em si um elemento de sofrimento e humilhação, porque ele tomou as nossas vergonhas e dores para si em amor a nós[9]. Isso é profundamente significativo e magnânimo. Conforme Vos, cuidadoso, nos alerta, nós não devemos cometer o erro, infelizmente comum, de interpretar essa passagem em analogia primária às tentações que nós sofremos. Isso diminui o significado majestoso do que estava acontecendo. Em nosso caso, ao sermos tentados a preocupação maior é como superá-la sem perdas, mas no caso de Jesus, embora essa consideração esteja presente, a ênfase está não na perda, mas no ganho positivo.

O quinto, e último, capítulo, “A revelação do ministério público de Jesus”, é o maior desta seção do livro. Nele é tratado, respectivamente, dos vários aspectos da função reveladora de Cristo, da questão do desenvolvimento subjetivo e objetivo em seu ministério, da metodologia de ensino de Jesus, da atitude dele em relação ao AT, da sua doutrina acerca de Deus e de seus ensinamentos sobre o reino celeste. Nesse ínterim, vale a pena mencionar algumas contribuições de Vos. A começar pelo exemplo de Jesus, que usava o Antigo Testamento como sua regra de fé e prática[10]. O que implica que, ao ensinar sobre Deus, Jesus não adiciona, modifica ou reprime nada da Lei, mas a cumpre e a põe em prática com uma ênfase nova no amor; amor este que havia sido dissipado pelo farisaísmo judaico[11]. Outrossim, o dilema do “já e ainda não aparece através do duplo conceito de reino; primeiro, no desenvolvimento espiritual interno -em que nós vivemos como cidadãos do Reino- e, segundo, na consumação catastrófica –ainda que não plenamente- na espera da segunda vinda de Cristo[12]. Desse modo, o livro termina com uma mensagem direcionada para a igreja, que é a forma visível da organização do reino na terra sob o direcionamento do Espírito.

Não posso encerrar esta resenha sem confirmar a qualidade de uma obra que, sem sombras de dúvida, é essencial, obrigatória e indispensável no currículo de um(a) teólogo(a). Apesar da densidade da linguagem, da edição com páginas brancas – o que é incômodo para muita gente -, a leitura compensa. Antes do ponto final, uma advertência: é certo que uma leitura apenas não será suficiente. Depois não diga que não avisei.


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[1] VOS, 2001, p. 261.

[2] VOS, 2019, p. 265.

[3] VOS, 2019, p. 369.

[4] VOS, 2019, p. 379.

[5] VOS, 2019, p. 382-385.

[6] VOS, 2019, p. 388.

[7] VOS, 2019, p. 390.

[8] VOS, 2019, p. 412.

[9] VOS, 2019, p. 403.

[10] VOS, 2019, p. 435.

[11] VOS, 2019, p. 446.

[12] VOS, 2019, p. 461.


VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. Trad. Alberto Almeida de Paula. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.