Escrito por Danilo Neves de Almeida Bueno, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2022
No livro Não aguento mais não aguentar mais, a escritora e jornalista americana millennial Anne Helen Petersen descreve a síndrome de Burnout1 a partir de sua experiência, passando por variadas pesquisas acadêmicas e históricas. Anne diz que “não é possível compreender como vivemos agora sem olhar de forma atenta para as forças econômicas e culturais que moldaram nossa infância e para as pressões que nossos pais enfrentaram enquanto nos criavam” (PETERSEN, 2021 p. 29).
Tais investigações jornalísticas visam delinear como a geração dos millennials é definida2 por esse grande problema de dimensão existencial através de mudanças sistêmicas e precarização da vida em diversas áreas da sociedade ocidental contemporânea. Para Petersen, Burnout não se trata de um problema estritamente pessoal e a solução é criar “um vocabulário e uma estrutura que nos permitam ver a nós mesmos — e os sistemas que contribuíram para o nosso burnout — de forma clara.” (PETERSEN, 2021, p. 33).
A autora ainda cita um insight psicodinâmico para transmitir a ideia de que a sensação de exaustão físico-emocional não é apenas um traço moderno, apesar de sua presença cultural atual ser distinta em intensidade e frequência. Curiosamente, um documento antiquíssimo sobre o esgotamento do trabalho é mencionado:
Em seus artigos sobre burnout, Cohen toma o cuidado de apontar os antecessores da condição: ‘um cansaço melancólico do mundo’, como ele diz, aparece no livro de Eclesiastes, foi diagnosticado por Hipócrates e era endêmico durante a Renascença, um sintoma da perplexidade frente à ‘mudança constante’. No fim do século XIX, a ‘neurastenia’, ou a exaustão nervosa, afligia pacientes destruídos pelo ‘ritmo e esforço da vida industrial moderna’. O burnout, como uma condição generalizada, não é (completamente) novidade. (PETERSEN, 2021, p. 22–23).
Anne empreende um trabalho legítimo e bem-vindo sobre aspectos socioculturais que moldam o comportamento das pessoas. Contudo, um conhecimento que fornece um vocabulário e estrutura sobre a condição humana de adoecimento mental não se atentando para os pressupostos filosóficos revelados é, no fim, uma tautologia explicativa, reducionista e autônoma. “O que falta não se pode calcular”, Qohélet sabiamente diz3. O livro de Eclesiastes é uma segura reflexão e experiência inspiradas pelo Deus-trabalhador sobre o Burnout em seu aspecto psicoexistencial e, assim, a obra não é digna de ser apenas mencionada nesse assunto4. Nesse sentido, Timothy Keller capta certas nuances das dimensões dessa síndrome ao comentar algumas das passagens-chave5 de Eclesiastes:
A expressão ‘debaixo do sol’ é crucial para entendermos a perspectiva do Sábio. Em geral, ela se refere à vida neste mundo considerada em si mesma, desligada de qualquer realidade maior ou eterna (…) Resumindo, ainda que seu trabalho não seja infrutífero, em última análise, ele acabará sendo sem sentido, se tudo o que existir for a vida ‘debaixo do sol’. O trabalho debaixo do sol é sem sentido porque é transitório, passageiro e, assim, tira nossa esperança no futuro. Também nos afasta de Deus e das outras pessoas; dessa forma, mata nossa alegria no presente (…) Dor e frustração tão intensas que o homem não consegue descansar: é assim que vive aquele cuja alma descansa unicamente nas circunstâncias de seu trabalho (…) Outro motivo de o trabalho nos parecer tão alienante é a injustiça e a despersonalização sempre presentes em todos os sistemas sociais e que tantas vezes influenciam a natureza da tarefa que realizamos (…) O trabalho pode nos alienar uns dos outros (…) Trabalho envolve ‘privação’ – gratificação adiada e sacrifício (…) Um dos motivos de tantas pessoas estarem insatisfeitas com o trabalho é, ironicamente, o fato de termos hoje mais oportunidades de escolher o tipo de ocupação do que as pessoas tinham antigamente. (KELLER, 2014, p. 96, 98-102).
Assim, o trabalho debaixo do sol dos millennials e também da geração Z se tornou, nas palavras de Qohélet, cansativo e vazio (Ec 2.17). Espinhos tomaram o jardim do Prazer. “(…) maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida” (Gênesis 3.17b).
Além de aspectos socioculturais e de forças político-econômicas que moldam o comportamento das pessoas, é preciso compreender, pela revelação, que a realidade na qual o homem vive e trabalha é radical e amplamente afetada pelas consequências do mal (Gênesis 3.1-6ss). O Burnout não nos define, mas lembra à humanidade que um dia ela buscou sua definição e existência fora da dependência do seu Criador (Gênesis 2.15-17).
As variáveis laborais, pessoais, sociais e organizacionais precisam ser identificadas pela graça da pesquisa empírica no século XXI, ao mesmo tempo que a interpretação mais fundamental e profunda sobre o mundo e o homem seja considerada pela episteme da revelação. As compreensões sobre o trabalho na Psicologia e Sociologia precisam do modelo de interação da Fé que regula o pensamento6.
Essa integração metafísica-epistemológica-ética-existencial dá ao problema uma solução maior e mais efetiva (pois atinge o coração e não apenas aspectos biopsicossociais do ser), trazendo real alívio, viva esperança e alegria, presente e futura, em meio ao extremo cansaço, falta de realização profissional e cinismo nas relações. Para isso, Jonathan Edwards indica a direção na metanarrativa:
Também lemos em João 12.27-28: ‘Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome’. Cristo estava indo para Jerusalém, e esperava, dentro de alguns dias, ser lá crucificado. E a expectativa de seus sofrimentos finais, agora tão próximos, era muito terrível. Nesse estado de angústia mental, ele se apoia na expectativa do que seria a consequência de seus sofrimentos, a saber, a glória de Deus. Ora, é o fim que sustenta o agente em qualquer obra difícil que ele empreende, e acima de tudo, seu fim derradeiro e supremo. Pois isso, aos olhos dele, está acima de todos os outros valores, e, portanto, é suficiente para compensar as dificuldades dos meios. Esse fim, que em si mesmo é para ele agradável e encantador, e que no final das contas coroa seus desejos, é o centro de repouso e apoio, e, portanto, deve ser a fonte e a culminância de todo deleite e conforto que ele alimenta em suas expectativas a respeito de sua obra. Ora, Cristo sente sua alma cansada e angustiada diante da visão do que era infinitamente a parte mais difícil de sua obra, e que agora estava prestes a chegar. Agora, com certeza, se sua mente busca apoio no conflito derivado de uma visão de seu fim, ela deve do modo mais natural refugiar-se no fim mais elevado, que é a fonte apropriada de todo apoio nesse caso. Podemos muito bem supor que, quando sua alma enfrenta as mais extremas dificuldades, ela recorre à ideia de seu supremo e derradeiro fim, a fonte de todo apoio e conforto de que ele dispõe em sua obra.” (EDWARDS, 2017, p. 89–90).
O distinto filósofo confessional de Yale no século XVIII, amplamente citado pelo notável psicólogo e filósofo de Harvard, no século XX — William James —, reorienta e amplia a solução em torno do sentido e da rede de apoio das gerações que vivem na era do niilismo em sua maioridade e do individualismo e narcisismo expressivos. O antigo filósofo reencanta a realidade e a mente numa época de declínio cultural, desintegração do eu e despersonalização.
Edwards ainda lembra à sociedade ocidental que, próximo ao evento histórico mais extremo da condição mental angustiante e cansativa, Jesus, em sua missão e obra, conectava em oração sua identidade ao Pai e vivia com um senso de sentido que o sustentava. “Ora, é o fim que sustenta o agente em qualquer obra difícil que ele empreende, e acima de tudo seu fim derradeiro e supremo.”
E o Sentido é a glória de Deus, “o centro de repouso e apoio”, “a fonte de todo apoio e conforto” diante do stress crônico nos trabalhos, das difíceis tribulações em toda e qualquer vocação. Jonathan Edwards continua ensinando que na oração sacerdotal de João 17.1, Cristo reafirma sua busca pela glória de Deus quando se aproximava a hora mais sombria e cheia de trevas. E, para ele, o restante dessa oração única na Bíblia é uma ampliação desse desejo.
Como disse Anne Petersen, os millenials é a geração do Burnout porque tentam “fazer tudo ao mesmo tempo, com pouca segurança ou rede de apoio”. Toda essa geração e as posteriores precisam urgentemente compreender pela fé e com a razão que não há segurança ontológica e existencial fora do jardim do Prazer, longe do Criador-Redentor.
A geração do Burnout necessita de uma compreensão maior e segura sobre a vida. É preciso saber viver para a glória de Deus e abandonar a vanglória humana. Encontrar em Jesus a primeira e fundamental solução para todos os problemas presentes e vindouros. O Crucificado sofreu ao ponto da Criação e, se fosse possível, da própria Trindade entrarem em colapso! Mas Cristo Jesus, homem, recorreu “à ideia de seu supremo e derradeiro fim”. Imaginem os meios de Jesus sem esse sentido! Certamente, não existiriam a cruz, a coroa e a esperança.
É claro que Jesus não veio simplesmente para livrar os seus do Burnout. As aflições do seu povo estão nos gabinetes pastorais, nas clínicas de saúde mental e na solidão silenciosa do sofrimento muitas vezes. O que Jesus fez foi salvar a geração de Adão do problema dos problemas, da condenação do pecado, e dar ao que crê vida, perdão e sólido sentido diante das tribulações desta existência.
Portanto, Petersen, Qohélet e Edwards ajudam o povo na era do deísmo-terapêutico-niilista a viver para a glória de Deus em Jesus. E que o corpo-alma exausto busque na beleza e santidade do Senhor, nos remédios e psicoterapia o descanso e alegria.
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1 A síndrome de Burnout é uma condição diagnóstica complexa e grave, ligada a um processo e estado de adoecimento e que em janeiro de 2022 foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como um problema ocupacional, vinculando ao trabalhador certos direitos e benefícios. Essa síndrome, além de ocupacional, é multidimensional e envolve especialmente profissões de cuidados diretos, como docentes, estudantes de pós-graduação, médicos, policiais militares e líderes eclesiásticos. Uma boa forma de conceituar a síndrome é por meio de abordagens psicológicas de modelo mais empírico. No livro Terapia Cognitivo-Comportamental na Síndrome de Burnout, temos a seguinte definição internacionalmente aceita: “A síndrome de Burnout é um fenômeno psicossocial que emerge como resposta à exposição crônica a estressores presentes nas situações de trabalho (MASLACH, SCHAUFELI & LEITER, 2001). Atualmente, a síndrome tem sido considerada um dos maiores problemas psicossociais devido às suas implicações físicas e mentais (LEKA & JAIN, 2012). A definição proposta por Maslach e Jackson (1981) é uma das mais aceitas internacionalmente. Os autores a consideram um fenômeno multidimensional, estruturado em três aspectos principais: 1) Exaustão Emocional, aspecto central da síndrome de Burnout. Os recursos emocionais dos indivíduos estão escassos, o que faz com que se sintam sem energia e disposição para lidar com colegas e clientes. 2) Despersonalização ou desumanização, isto é, o indivíduo passa a apresentar sentimentos negativos e insensibilidade emocional para com as pessoas com quem trabalha ou atende. 3) Baixa realização profissional, devido à tendência de se autoavaliar negativamente. O trabalhador se sente infeliz em relação a si mesmo e insatisfeito com seu desempenho profissional. A partir desta definição, a síndrome de Burnout pode ser compreendida como um fenômeno que envolve variáveis cognitivas-atitudinais (como a diminuição da satisfação e realização pessoal no trabalho), emocionais (exaustão emocional) e atitudinais (despersonalização) (MASLACH & JACKSON, 1981).” (CARVALHO et al., 2019, p. 91).
2 “Cada vez mais — e cada vez mais entre os Millenials —, o burnout não é só uma situação passageira. É nossa condição contemporânea (…) Tentar fazer tudo ao mesmo tempo, com pouca segurança ou rede de apoio (…) é isso que faz dos Millennials a geração burnout (…) Para os Millennials, o burnout é fundamental: a melhor forma de descrever quem fomos criados para ser, como interagimos e pensamos sobre o mundo e nossa experiência cotidiana. E não é uma experiência isolada. É nosso estado permanente (…) o burnout se tornou a experiência definidora dos Millennials (…)” (PETERSEN, 2021, p. 23, 27-29).
3 Eclesiastes 1.15b fala sobre a conta ou matemática do sentido da vida não fechar, de que algo nos escapa sobre nossa existência sombria. O mundo e o homem são tortos (1.15a). Mas as utopias, as ilusões e as vãs esperanças estão por aí, escritas, especialmente em livros sobre política e educação modernas e tecnociência, os quais tentam nos “endireitar”.
4 O pastor Emílio Garofalo Neto, usando o texto de Eclesiastes 2.18-26, nos dá outro vocabulário e estrutura: “Trabalho é algo misterioso e interessante. Fonte de enorme prazer e de muita preocupação. Causa de alegria e de tristeza. Poucas coisas refletem tão bem o tema que estamos tratando em Eclesiastes: as coisas que nos são importantes e nos ocupam e ao mesmo tempo parecem nunca ter substância (…) Por que o trabalho é tão frustrante? A ordem de cultivar e guardar o mundo é anterior à queda, bem como a tarefa que Adão recebeu de nomear os animais (veja Gn 1.28, 2.15 e 2.19). Ora, a Bíblia nos ensina que, logo após a queda, como parte dos resultados da rebelião de Adão e Eva, o trabalho passou a ser maldito (Gn 3.17-19). A queda faz com que aquilo que seria tranquilo e recompensador se torne árduo e frustrante. Agora, a terra e as criaturas nos resistem. Agora, o suor do rosto é necessário. E há diversas maneiras pelas quais o trabalho nos aflige (…) No Brasil, temos muito fortemente a ideia de que as pessoas pensarão pouco de nós se tivermos um trabalho sem muito status. Isto nos causa ansiedade: será que serei reconhecido pelos meus amigos e familiares? Vão zombar de minha ocupação? Vão me considerar um fracasso ou uma vida desperdiçada se eu não tiver o emprego tal, a função, o salário x? Ao colocar nosso valor em nossa ocupação profissional, arriscamos o senso de valor de acordo com as flutuações do mercado e os editais de concurso disponíveis. Há sofrimentos diversos no trabalho. Conseguir trabalho pode ser em si um fardo; talvez você ou alguém de sua família tenha sofrido com o desemprego e a angústia de não saber se, no próximo mês ou no seguinte, teria emprego. O cansaço, o suor do rosto, é parte disso. Uma jornada de 40 horas, 50 horas pode ser exaustiva fisicamente. Esse cansaço não é somente físico; a fadiga do coração vem junto: desentendimentos com colegas, incompreensão do chefe, tudo isto vai acumulando cansaço mental que é exaustivo e frustrante.” (NETO, 2020, p. 132, 134-136).
5 Eclesiastes 2.17-26; 3.13, 22; 4.4-6, 8; 5.8.
6 Para isso, ver o livro Inteligência pra quê? Como usar seu cérebro pra glória de Deus, capítulo 3, O compromisso de conhecer a partir do coração. O autor Pedro Dulci propõe um modelo de interação entre fé cristã e atividade intelectual bastante adequado: a fé que regula o pensamento “(…) a proposta é ampliar a compreensão dos usos que damos à inteligência, a fim de mostrar que os compromissos religiosos operam muito antes de produzirmos discursos, textos, músicas, peças legais ou qualquer tipo de artefato cultural (…) Essa perspectiva precisa modificar consideravelmente as abordagens terapêuticas, por exemplo. Deve ficar claro que o coração do ser humano não está acessível às nossas capacidades teóricas em psicologia e psiquiatria. Pelo contrário, o que acontece ali determina e dirige todas as nossas teorias e os usos que damos à inteligência. Somente o profissional da saúde que conseguir relacionar bem tais convicções bíblicas com sua área de atuação conseguirá ser efetivo no auxílio que prestará.” (DULCI, 2019, p. 68, 72).
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Anelisa Vaz de et al. Terapia cognitivo-comportamental na síndrome de Burnout: contextualização e intervenções. Novo Hamburgo, RS: Sinopsys, 2019.
DULCI, Pedro. Inteligência pra quê? Como usar seu cérebro para a glória de Deus. 1.ed. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2019.
EDWARDS, Jonathan. O fim para o qual Deus criou o mundo. Tradução: Almiro Pisetta. 1. ed. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2017.
KELLER, Timothy. Como integrar fé e trabalho: nossa profissão a serviço do reino de Deus. Tradução: Eulália Pacheco Kregness. São Paulo, SP: Vida Nova, 2014.
NETO, Emílio Garofalo. Isto é filtro solar: Eclesiastes e a vida debaixo do sol. 1. ed. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2020.
PETERSEN, Anne Helen. Não aguento mais não aguentar mais: como os millenials se tornaram a geração do burnout. Tradução: Giu Alonso. Rio de Janeiro, RJ: HarperCollins Brasil, 2021.