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Teologias bíblica e sistemática: amigas ou inimigas?

Escrito por João Paulo Albuquerque Coutinho, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2022


Introdução

O saber teológico se constitui como o estudo do ser de Deus e das suas obras a partir da sua revelação. Esse conhecimento é constituído por meio de diversas ferramentas, as quais desempenham funções particulares na produção teológica. Dentre esses principais instrumentos, tem-se a teologia bíblica e a teologia sistemática. 

A teologia bíblica, segundo Geerhardus Vos (2019, p. 16), é “aquele ramo da teologia exegética que lida com o processo de autorrevelação de Deus registrada na Bíblia”. Já a teologia sistemática é definida como “qualquer estudo que responda à pergunta ‘O que a totalidade da Bíblia nos diz hoje?’ a respeito de um tópico específico” (GRUDEM, 2001, p.17). A partir desses conceitos, é possível diferenciar as especificidades de cada uma dessas disciplinas, uma vez que suas abordagens e objetivos abrangem diferentes setores da produção teológica.

Apesar de contemplarem funções distintas, as teologias bíblica e sistemática são frequentemente atribuídas como antagônicas na produção do conhecimento acadêmico. Nesse sentido, é possível averiguar partidarismos dentre os teólogos, polarizando as duas ferramentas como abordagens incompatíveis. 

Dessa forma, torna-se necessário elucidar os limites e as dinâmicas da relação entre a teologia bíblica e a teologia sistemática. Afinal, são elas amigas ou inimigas? Esse exame é imprescindível não somente para a produção acadêmica, mas para a própria vida da igreja.

Delimitando a controvérsia

A tensão entre essas duas disciplinas tem sido um elemento de divisão no campo da teologia reformada. Alguns teólogos defendem que a primazia deve ser dada à teologia bíblica, alegando que a estrutura orgânica das Escrituras torna a sistematização dogmática uma ferramenta prejudicial. Outros autores sugerem que a teologia sistemática deve ocupar o protagonismo da produção teológica, uma vez que a organização da doutrina possibilitaria o entendimento mais preciso das Escrituras.

Assim, essa controvérsia fomenta uma confusão para dentro da igreja e da academia. Isso se comprova pelas implicações dessa dissociação, uma vez que favorecem uma hermenêutica desorientada (para aqueles que negligenciam a sistemática) ou uma rigidez dogmática legalista (para aqueles que abandonam a teologia bíblica). Assim, a igreja é prejudicada pela celeuma de polarizações a respeito da produção teológica, gerando confusão à membresia. Da mesma forma, o ambiente acadêmico sofre de desgastes a respeito dessas delimitações, comprometendo o direcionamento de esforços para temáticas também pertinentes para a vida cristã.

Nesse sentido, a desassociação entre essas duas ferramentas teológicas tem trazido muito mais problemas para o cristianismo do que soluções. A elucidação das tarefas dessas disciplinas é primordial para amenizar a tensão estabelecida e direcionar a energia da produção teológica para uma confluência produtiva.

Uma conciliação necessária

Apesar de ser uma relação frequentemente controversa, o diálogo dessas duas disciplinas é vital para o bom procedimento da tarefa teológica. Conforme descrito por D. A. Carson: “[a] teologia bíblica precisa ser sistemática, mesmo que focalize o lugar e o significado históricos de um segmento específico da Bíblia; e a teologia sistemática, se depender de exegese honesta, deve forçosamente depender de considerações históricas” (2008, p. 17).

Essa declaração permite observar a interdependência entre as ferramentas teológicas, uma vez que nenhuma delas consegue emancipar-se das demais na produção do conhecimento. Afinal, para que a teologia seja desenvolvida de forma coerente, é necessário que as suas disciplinas dialoguem na análise compromissada das Escrituras.

A concorrência frequentemente apontada entre essas duas matérias provém, na verdade, de um dualismo entre razão e espiritualidade, entre o conhecimento teórico e a experiência individual. Essa dicotomia, no entanto, não é bíblica, uma vez que os próprios autores das Escrituras demonstravam articular, de forma indissociável, a doutrina com a piedade e o conhecimento de Deus com a espiritualidade (Rm 11:33-36).

Tudo isso demonstra que o rompimento entre a teologia bíblica e a teologia sistemática provém de uma compreensão reducionista acerca da revelação de Deus e da tarefa da igreja em debruçar-se sobre ela. Portanto, resgatar a integridade da missão teológica do povo de Deus não é somente um desafio, mas algo completamente necessário.

Conclusão

Um exemplo magistral de restauração dessa integridade foi o teólogo holandês Herman Bavinck (1854-1921). Em suas obras, Bavinck trouxe a profundidade sistemática aliada ao compromisso com o texto bíblico, produzindo uma teologia que “lançou as bases para uma epistemologia fundamentalmente bíblica” (MORES, 2019, p. 31). Assim, Bavinck constitui um excelente referencial de ortodoxia que suplantou essa dicotomia exagerada tão presente no cenário atual.

Dessa forma, as teologias sistemática e bíblica não somente devem ser unir na produção teológica como também há uma linhagem de teólogos ortodoxos que respaldam essa posição. O entendimento correto a respeito da relação entre essas disciplinas teológicas livrará a igreja de cair em uma série de enganos e preservará a boa produção de conteúdo na academia.


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Referências Bibliográficas

CARSON, Donald A. Teologia bíblica ou teologia sistemática: unidade e diversidade no Novo Testamento. Tradução: Carlos Osvaldo Pinto. 2. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. 85 p.

GRUDEM, Wayne A. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos ensinos fundamentais da fé cristã. Tradução: Heber Carlos de Campos. 1. ed. São Paulo: Editora Vida, 2001. 551 p.

MOARES, Fabrício Tavares de. Prefácio do tradutor. In: BAVINCK, Herman. A filosofia da revelação. 1. ed. Brasília: Editora Monergismo, 2019. 341 p.

VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2019. 496 p.