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A harmonia entre a filosofia e a teologia cristã no pensamento de Jonathan Edwards

Escrito por Sebastião Atadaine Júnior, estudante do Programa de Tutoria Filosófico 2021

1. Introdução

Seria possível harmonizar filosofia e teologia, ou estaríamos diante de um dilema? A história revelou uma constante tensão entre essas duas áreas do conhecimento. No início da era cristã, houve uma parceria entre a fé e razão. Durante este período, os primeiros teólogos da igreja se valeram do aparato filosófico grego para ajudá-los na construção da dogmática cristã. Podemos perceber claramente essa influência nos escritos dos Pais da Igreja, tendo Agostinho de Hipona como seu maior representante. Já Tomás de Aquino foi o grande expoente do período medieval em que teologia e filosofia, de maneira quase sintética, caminharam juntas. Tendo isto em mente, vejamos um comentário de Tomás de Aquino que expressa a influência de Aristóteles em sua teologia:

“Por isso, é necessário que exista um primeiro motor, supremo na sucessão dos movimentos das coisas que se movem umas às outras. A esse primeiro motor, chamamos Deus.” (TOMÁS DE AQUINO, 2020, p. 37)

A partir da Idade Moderna e a consequente libertação da filosofia do controle da igreja cristã, os pontos de divergência com a teologia cristã somente aumentaram com o tempo. É possível constatar essa realidade a partir da afirmação do teólogo Cornelius Van Til:

“O cristão mantém sua vida e visão de mundo porque Deus diz que é verdade; o filósofo mantém sua vida e sua visão de mundo porque, ou na medida em que, acha que isso é verdade. O cristianismo se baseia na autoridade [do Testemunho de Deus], enquanto a filosofia se baseia na razão; e nunca os dois se encontrarão.” (VAN TIL, 2020, p. 5)

Para Van Til, é impossível uma harmonia entre fé e razão, filosofia e teologia, pois para ele os pontos de partida são antagônicos. A teologia, portanto, nasceria na revelação bíblica e a filosofia na razão humana.

Por outro lado, o filósofo estadunidense Jonathan Edwards (1703–1758) não pensou da mesma maneira que Van Til. Edwards viveu durante o século XVIII, período de profundas mudanças, tanto em seu país, como no mundo. Com sua sólida formação, tanto filosófica como teológica, ele enfrentou de maneira brilhante os desafios do seu tempo e foi exitoso em harmonizar fé e razão. 

A proposta desse ensaio é demonstrar como Jonathan Edwards conseguiu harmonizar a teologia e a filosofia em seu pensamento.

“Para entender verdadeiramente o grande teólogo, portanto, é preciso ver como ele teve de chegar a um acordo com duas cosmovisões que se chocavam diante de seus olhos: o mundo puritano de seu passado e o mundo iluminista que prometia dominar o futuro da América. Embora ambas as tradições desenhassem os contornos da religião americana nos anos seguintes, a tensão entre as duas era tão forte na época de Edwards quanto é na nossa. Ele foi um dos brilhantes pensadores a lutar contra as implicações disso.” (BYRD, 2021, p. 13,14)

2. O ponto de convergência Edwardiano

O século XVIII foi um período em que a física newtoniana, com suas leis imutáveis da matemática regendo o universo, influenciou os pensadores desta época a respeito de Deus. Neste sentido, uma mudança no entendimento sobre como Deus intervém no mundo começou a ser a desenvolvida. A razão começou a se distanciar ainda mais da fé cristã e, por sua vez, um conceito deísta de Deus começou a ganhar forma. Assim, não havia uma negação da existência de Deus, mas uma clara compreensão de que as respostas da religião não eram mais necessárias.

Edwards, como um homem do seu tempo e um teólogo preocupado com a igreja e as consequências dessa ruptura entre fé e razão, combateu esse entendimento, como Byrd comenta:

“Em resposta a essa visão mecanicista do universo, Edwards defendeu a visão espiritual e tipológica da realidade (…). A beleza e a harmonia do mundo natural não eram apenas resultado de leis naturais que poderiam funcionar perfeitamente sem Deus. Em vez disso, a harmonia do universo refletia a harmonia de Deus. As leis naturais eram as leis divinas, e nada ocorria sem a presença de Deus.” (BYRD, 2021, p. 37)

A sabedoria de Edwards está no fato de, ele, um intelectual consciente do que estava acontecendo no mundo dos seus dias, associar todas as descobertas científicas à ação soberana e criadora de Deus.

Podemos notar também um elemento fundamental e norteador no pensamento de Edwards: sua concepção sobre a beleza. Essa noção foi determinante para ele caminhar com liberdade entre a teologia e a filosofia. Isso porque, ele percebia claramente a beleza de Deus em todas a coisas criadas por Ele. 

“A beleza normalmente parece abstrata e impraticável, algo que pode ser associado ao misticismo, à contemplação ou, talvez, ao esteticismo litúrgico e musical da Igreja Alta Anglicana. Em Edwards, pelo contrário, a beleza é o centro da dinâmica prática. Pode-se dizer que seu ponto de vista seja a teologia da beleza ativa. Beleza é, antes de tudo, uma qualidade irradiada desde o centro de toda a realidade. Edwards relaciona beleza intimamente com a santidade de Deus e com o amor de Deus. No centro da realidade estão as pessoas da Trindade, que manifestam perfeitamente essas qualidades na harmonia de seu amor mútuo. A criação do universo é uma expressão do transbordamento dessa dinâmica.” (MARSDEN, 2017 apud. ORTLUND, 2017, p. 14)

Edwards deixou sua visão, ainda mais clara, em sua obra sobre a criação do mundo.

“E que, dado que existe uma plenitude infinita de alegria e felicidade, assim também esses sentimentos devem ter uma emanação e tornar-se uma fonte fluindo em abundantes torrentes, como raios de sol. Assim, parece razoável supor que foi o fim derradeiro visado por Deus que pudesse haver uma gloriosa e abundante emanação de sua infinita plenitude de bem exteriorizado, ou fora de si mesmo; e que a disposição de se comunicar, ou difundir sua própria plenitude, foi o que o motivou a criar o mundo.” (EDWARDS, 2019, p. 38–39)

Ele é exitoso em sua tarefa de harmonizar a fé com a totalidade da vida porque compreendia a ação graciosa de Deus em todas as coisas. Em sua compreensão não havia dicotomia entre o sagrado e profano, entre o mundo da religião e o mundo das ideias. Podemos perceber a visão calvinista da graça comum guiando sua percepção da realidade, e isto foi fundamental em seu pensamento. As descobertas da ciência e os avanços da filosofia, para Edwards, apontavam não para o homem, mas sim para a plenitude de Deus. Desta forma, os atributos morais de Deus revelavam a beleza do Criador.

“Mas Edwards observou que a forma mais elevada de beleza de Deus era a excelência moral, uma forma especial de beleza e da bondade de Deus que somente uma criatura com sensibilidade moral poderia apreciar. Nesse aspecto, Edwards retratou Deus como “uma fonte infinita de santidade, de excelência moral e de beleza”, constantemente transbordando de si mesmo para a humanidade.” (BYRD, 2021, p. 138)

3. Conclusão

Com Jonathan Edwards, aprendemos que a filosofia pode nos ajudar em nosso desenvolvimento intelectual, a ter uma mente aberta e uma profunda aspiração pelo conhecimento e pela verdade. Edwards conseguiu harmonizar a fé e razão, a teologia e a filosofia, evitando o radicalismo tanto dos teólogos como dos filósofos. O caminho que trilhou não é o da ruptura radical, ou das sínteses cristãs com a filosofia. Sua opção é equilibrada porque ela nasceu de sua clara compreensão da ação de Deus na totalidade da existência. Por isso, Jonathan Edwards se valeu das descobertas científicas e dialogou com a filosofia moderna, sendo um apreciador dos estudos do empirista inglês John Locke (1632 –1704). Para ele, esse conhecimento apontava para Deus. 

Portanto, Edwards nos ensinou que a fé e a razão podem caminhar juntas e que a filosofia tem e teve importantes contribuições para a teologia cristã. O desafio é ter a sensibilidade para separar o “joio do trigo” e, como discípulos de Cristo, glorificarmos a Deus em nossa caminhada em busca do verdadeiro conhecimento.

“É algo infinitamente bom em si mesmo que a glória de Deus seja conhecida por uma gloriosa sociedade de seres criados. E que haja nesses seres um crescente conhecimento de Deus para toda a eternidade é algo digno de ser considerado por ele, a quem compete determinar o que é mais adequado e melhor.” (EDWARDS, 2019, p. 37)

Soli Deo Gloria


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Referências Bibliográficas

TOMÁS DE AQUINO, Santo Tomás. Compêndio de Teologia. Tradução: Dom Odílio Moura, O.S.B. 1 Ed. Calvariae Editorial, 2020 — Grupo Logos.

TIL, Cornelius Van. Filosofia Cristã: Filosofia e Apologética Puritana. Tradutor: Hudson Thiago Barbalho Edição do Kindle. Nadere Reformatie Publicações, 2020. Edição do Kindle.

BYRD, James P. Jonathan Edwards para todos. Tradutor: Francisco Nunes. Viçoso: 1 Ed. Ed. Ultimato. 2021.

ORTLUND, Dane. Jonathan Edwards e a vida cristã. Traduzido por Charles Marcelino.  São Paulo: Cultura Cristã, 2017.

EDWARDS, Jonathan. O fim para o qual Deus criou o mundo. Tradução Almiro Pisetta. — 1. ed. — São Paulo: Mundo Cristão, 2019.